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16/06/2011 13:09 - Credenciadoras disputam grande varejo

Após mirar pequeno comércio, Santander entra na briga com Redecard e Cielo por redes maiores

 

Em 1º de novembro, o grupo Tellerina, que reúne as lojas da joalheria Vivara e a de móveis e artigos para o lar Etna, virou a chave dos seus caixas para usar apenas uma rede de captura de cartões de crédito e débito. Depois de meses de conversas com as duas principais credenciadoras de estabelecimentos comerciais, a eleita foi a Cielo, que passou a ser responsável por todo o movimento das mais de 100 lojas do grupo. Nas negociações, o grupo conseguiu uma redução média de 11% a 13% na taxa descontada por transação, economia significativa para quem tem nos meios eletrônicos de pagamento 85% do faturamento anual, que roda na casa do R$ 1 bilhão.

 

"Gastávamos com marketing um pouco mais do que o dobro do que pagávamos para as operadoras de cartões, havia uma discrepância grande de custos", diz o gerente financeiro do grupo Tellerina, Rodrigo Domingues.

 

A conexão com a Redecard ainda está nos terminais financeiros das lojas e o contrato assinado com a Cielo deixou uma porta de saída para qualquer uma das partes, sem um prazo. A intenção é rever as condições anualmente e, para tanto, Domingues diz que, após a as falhas na Redecard no Natal de 2009, monitora o nível de serviços prestados pela empresa em outras varejistas e que também topa conversar com novos participantes do setor.

 

Tal liberdade só se tornou possível graças à quebra da exclusividade da Cielo com a bandeira Visa, que completa um ano em 1º de julho. Antes, qualquer lojista que quisesse receber o pagamento dos seus clientes com cartões Visa era obrigado a contratar os serviços da Cielo e o mesmo valia para as unidades MasterCard, que só passavam nas máquinas da Redecard. A abertura, provocada por pressão do governo, possibilitou a entrada de novos competidores num setor de margens ebitda (lucro antes dos juros, impostos, depreciação e amortização), que ainda esbarram nos 60% (da receita).

 

Além das redes de captura internacionais que já anunciaram a entrada no segmento, caso das americanas Elavon (com o Citi), Global Payments e First Data, Santander e Banrisul já estão atuando nessa área. O baixo uso dos cartões no consumo privado brasileiro (25%) e o crescimento a taxas anuais de 20% encorajam a incursão dos estreantes, num setor que deve movimentar este ano mais de R$ 600 bilhões.

 

Grupos como o grupo Tellerina, de maior porte, passam agora a entrar no radar do Santander, que inicialmente havia declarado interesse em abordar apenas pequenas e médias empresas. O banco passou a combinar serviços bancários com captura de cartões, sob o suporte tecnológico da processadora gaúcha GetNet, no ano passado. Agora o banco quer entrar na disputa pelas grandes redes de varejo. A tecnologia, que antes era limitada à captura via POS, já está pronta para os terminais financeiros usados pelos varejistas de maior porte.

 

"É um processo natural no nosso plano de negócios", diz o diretor da divisão de cartões do Santander, Cassius Schymura. "Para chegarmos à cota de mercado de 10% que almejamos até 2013, precisamos ter o volume das grandes cadeias." Alguns varejistas tradicionais já começaram a testar a tecnologia da GetNet no segundo trimestre e a, partir do segundo semestre, o banco espera fechar seus primeiros contratos.

 

Apesar de a disputa entre Cielo e Redecard para defender fatias do mercado ter derrubado preços de maneira expressiva, Schymura acredita ter cacife para lutar pelo seu quinhão. "A gente negocia numa relação de banco, com clientes com quem já temos a folha de pagamento, a gestão do caixa. O foco é ganhar rentabilidade por aumentar o relacionamento como um todo, não é só a perna da captura das transações."

 

O executivo argumenta que, diferentemente das duas maiores credenciadoras, em que as renegociações já mostraram peso significativo nos resultados, o Santander tem condições de agir com mais flexibilidade, pois mesmo baixando a taxa descontada do varejo, pode acrescentar volumes que hoje não detém, além de fazer a oferta cruzada de crédito e outros serviços financeiros.

 

No embate por conquistar volumes entre os grandes nomes do varejo, o que se comenta no mercado é que a Redecard teria levado a melhor não só por ter cedido mais em preço, mas também por se valer das parcerias do controlador Itaú Unibanco com redes tradicionais. A Cielo teria ganho a preferência das companhias aéreas, mas também levou um rol considerável de contratos de preferência.

 

Depois de uma onda intensa de renegociação de contratos com os lojistas, o setor passa por um ciclo de repactuação mais brando, mas o jogo não acabou, reconhece o diretor-executivo de varejo, marketing e produtos da Redecard, Carlos Zanvettor. "O mercado ainda está se abrindo. À medida que esse ciclo avance, novas rodadas de negociação vão surgir, é um problema para nós e qualquer outro agente." O executivo considera que a briga pelos grandes varejistas será um tema revisitado com alguma frequência. "A taxa de desconto está hoje num nível mais estável, mas não dá para dizer se é sustentável no longo prazo. Quanto maior for a intensidade da abertura, mais provocação será observada."

 

Rômulo Dias, presidente da Cielo, tem a percepção de que o mercado aberto atingiu certa maturidade, as renegociações agora estão num nível mais racional, mas a empresa vem fazendo ajustes para navegar nesse novo cenário que difere do conforto dos tempos de exclusividade com a Visa, bandeira de maior aceitação no país. A credenciadora refinou a segmentação por porte de lojista, reforçou o time comercial e vem investindo em programas de fidelidade e promoções que premiam o consumidor que exige a máquina da Cielo na hora da compra. O programa de fidelidade já vem sendo usado por 135 mil estabelecimentos.

 

No Sul do país quem promete incomodar as grandes credenciadoras é o Banrisul, que, em parceria com a processadora CSU, está ampliando o número de estabelecimentos filiados - de 83 mil para 97 mil ativos desde julho - e cujas maquininhas já leem os cartões MasterCard.

 

O negócio de captura nasceu para acomodar a própria bandeira, a Banricompras, com uma base de 1 milhão de unidades emitidas. Segundo a superintendente comercial e de marketing, Maria Inês Bilhar, o banco agora trabalha no licenciamento da Visa. Com as marcas internacionais passando pelas maquininhas do Banricompras, vai bater nas grandes redes de varejo, que já são clientes no cartão regional. É o caso dos supermercados Záffari e Walmart, Magazine Luiza e Renner. "Não haverá um posicionamento por exclusividade, mas estamos aptos a negociar para expandir a rede."

 


Lojista ganha liberdade e poder de negociação

 

O lojista foi o maior beneficiado pela abertura do mercado de cartões, que ocorreu a partir da quebra da exclusividade da Cielo com a bandeira Visa, e, por tabela, da Redecard com a MasterCard. A maior concorrência possibilitou a redução de um dos principais itens de custos dos lojistas: as despesas mensais com as redes de capturas de transações. Os efeitos para o consumidor, porém, são ainda incertos.

 

Para se ter uma ideia, na Redecard, que estrategicamente se valeu de uma política mais agressiva de preços para ganhar participação de mercado, a taxa média cobrada por transação (já descontada a parcela que vai para o banco emissor) caiu de 1,40% para 1,13% entre o primeiro trimestre de 2010 e o primeiro trimestre de 2011. Na Cielo, a taxa média saiu de 1,48% para 1,22%. O preço médio de aluguel de maquininhas de captura (POS) encolheu 29%, de R$ 69 para R$ 49 no caso da Redecard e em 4% na Cielo, 4%, de R$ 72,1 para R$ 69,2.

 

"Antes, trabalhávamos com as máquinas da Visanet (atual Cielo) e da Redecard e não havia abertura nenhuma da parte delas para negociação, as condições eram impostas, a gente não tinha poder de barganha", diz Rodrigo Gimenez, proprietário da Rota 99, rede de artigos para o lar com sete lojas na Grande São Paulo.

 

Quando começou a ter liberdade de escolha, em julho, o empresário conversou com as duas operadoras e acabou ficando só com a Cielo. A taxa descontada por transação de crédito caiu de 3% para 2,5%. Ele estima que a economia por ano chegue a R$ 5 mil. Gimenez conta que recorrentemente a Redecard propõe isenção do aluguel de POS, caso as venda pela maquininha da empresa atinjam R$ 1 mil por mês. "Isso antes era simplesmente impensável."

 

Nas 99 lojas da Collins, de moda feminina, as franquias estão fazendo a transição para as máquinas da GetNet/Santander, mas os lojistas têm mantido os equipamentos da Redecard enquanto testam a nova tecnologia, contou uma das gerentes. Junto com a captura, a varejista negociou uma série de serviços bancários, como o processamento da folha de pagamento.

 

Embora ainda não afete diretamente o bolso do consumidor, a redução de custos tende a se traduzir numa melhor qualidade no processo de atendimento, entende a superintendente da unidade comercial e de marketing do Banrisul, Maria Inês Bilhar.

 

Com a economia obtida na repactuação do contrato em que elegeu a Cielo como única rede de captura de cartões, o grupo Tellerina, que reúne as lojas da joalheria Vivara e a de móveis Etna, pode investir em outros projetos, como aumentar a verba de marketing. "E à medida que ganhe vendas e competitividade, a companhia pode até repassar a redução de custos para o consumidor", diz Rodrigo Domingues, gerente financeiro do grupo varejista.

 

Até aqui, as associações de comércio não reportaram o repasse do custo menor do varejo com serviços de cartões para o consumidor final, pontua Boanerges Ramos Freire, da Boanerges & Cia, consultoria de varejo financeiro. "Mas, futuramente, isso talvez possa ser identificado, principalmente nas grandes redes de varejo, responsáveis pelos maiores volumes movimentados com cartões e segmento em que a concorrência é mais forte também."

 

Consumidor ganha com tarifa e freio ao rotativo

 

O governo atacou as ineficiências do setor de cartões em duas frentes. Numa delas, pressionou pelo fim da exclusividade da Cielo com a bandeira Visa e indicou uma série de mudanças consideradas essenciais para permitir a entrada de novos concorrentes no segmento de captura de transações. Em outro campo, o Banco Central disciplinou a cobrança de tarifas, permitindo só cinco nomenclaturas, ante as 80 antes existentes, e limitou o valor da fatura que pode ser financiado no crédito rotativo. Essas questões são mais sensíveis ao negócio dos bancos emissores dos cartões e tendem a beneficiar de maneira mais direta o consumidor. Tais medidas passaram a valer em 1º de junho.

 

Nicola Tingas, economista-chefe da Associação Nacional das Instituições de Crédito, Financiamento e Investimento (Acrefi), destaca que a limitação ao uso do rotativo (15% agora e 20% em dezembro) traduz a preocupação do regulador com o crescente endividamento da população de baixa renda. O avanço dos cartões de crédito, responsáveis pelos juros mais altos do mercado, nesse estrato social começou a preocupar. "O governo está tomando o devido cuidado", afirma.

 

Além de tentar esfriar a tomada de empréstimos, Tingas acha que as mudanças também servem como instrumento de educação financeira do novo consumidor que ganhou renda e entrou recentemente no mercado. "É um movimento para ajudar o tomador a equilibrar suas finanças", diz, ressaltando que essa aprendizagem será um desafio. Apesar das dificuldades, ele não vê as taxas de inadimplência dando saltos.

 

Nos órgãos de defesa do consumidor, o segmento de cartões ainda é um dos que lidera o número de reclamações e a medição, debaixo das novas regras, só deve ser feita daqui a três meses. Isso porque o Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC), ligado ao Ministério da Justiça, usará esse período para analisar as reclamações referentes ao setor que realmente tenham ligação com as novas regras.

 

No ano passado, o DPDC foi um dos responsáveis pela decisão do BC de limitar as tarifas. Dados de 2009 mostravam que, de todos os problemas relatados às agências do Procon, o campeão era o cartão, com 12,09% das queixas. Se considerado apenas o item "assuntos financeiros", os cartões abocanhavam 33,92%. Em 2010 o cenário não mudou muito e no ranking de reclamações os serviços relacionados ao meio de pagamento estiveram no topo, com 33,16%. (AC)

 


Veículo: Valor Econômico

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