Tecnologia
13/10/2008 10:46 - Para Nokia, internet móvel é a prioridade
Se sair na frente significasse alguma coisa, Anssi Vanjioki e seus colegas da Nokia já dominariam a internet móvel. Em 1996, a companhia finlandesa lançou um protótipo de celular com um "medidor de perigo", que usava software e tecnologia por satélite para comparar sua localização com um banco de dados on-line das estatísticas sobre crimes. Se você entrasse por engano em um bairro perigoso, uma luz no medidor mudaria de verde para vermelho e um ícone surgia convidando você a fazer um seguro de vida on-line.
Vanjoki, um vice-presidente executivo da Nokia, ri ao se lembrar da idéia. Mesmo assim, ele e sua equipe na sede da Nokia, localizada em um vale tranqüilo nos arredores de Helsinque, estão convencidos de que o dia que tanto esperavam finalmente chegou. Depois de uma década de falsos começos e promessas não cumpridas, a internet está se libertando das amarras ao desktop e partindo para a mobilidade. "A próxima geração da internet vai operar toda sobre os pequenos computadores multimídia, e não nos PCs", diz Vanjoki.
Há evidências cada vez maiores de que ele está certo. O número de pessoas que usam seus celulares para navegar na internet está aumentando no mundo todo, com esse número tendo crescido 36% nos Estados Unidos no último ano, para 40 milhões de pessoas, segundo a consultoria Nielsen. Os celulares estão ficando melhores no manejo de dados, seus programas de navegação na internet estão mais fáceis de usar e as tarifas para a navegação na internet estão caindo. Além disso, as operadoras de telefonia móvel afrouxaram suas amarras sobre o que os clientes podem fazer com os celulares, tornando mais fácil para as pessoas a instalação de seus próprios softwares e a compra de serviços de terceiros. "A internet móvel deverá decolar porque as barreiras estão caindo", diz Tim Berners-Lee, inventor da rede mundial de computadores e diretor de estabelecimento de padrões do World Wide Web Consortium.
Vanjoki pode ter tido primeiro uma visão sobre o futuro que está emergindo, mas ultimamente é a Apple que vem liderando a concretização dessa visão. O iPhone da companhia, com sua tela sensível ao toque e um software quase mágico, atraiu milhões de usuários nos EUA para a internet móvel. Apenas um ano depois de lançar seu primeiro telefone, a Apple desviou os holofotes da Nokia e concorrentes como a Research In Motion (RIM).
Agora, a Nokia está atacando novamente. A companhia lança este mês seu primeiro telefone com tela sensível ao toque voltado para o mercado de massa. O 5800 terá um formato e tela parecidos com os do iPhone, mas seu preço será cerca de um terço menor que o do aparelho da Apple. Além disso, o telefone da Nokia virá com um serviço de assinatura grátis de música por um ano, que permitirá ao usuário baixar e manter todas as músicas que quiser a partir dos catálogos de quatro grandes gravadoras. A Nokia pretende lançar uma seqüencia de celulares com tela sensível ao toque nos próximos meses, num esforço para sobrepujar a Apple e outros fabricantes com aparelhos para segmentos de usuários diferentes, além de faixas de preços, nos mercados locais e ao redor do mundo. "Podemos fazer isso mais rápido que qualquer um", diz Vanjoki. "Temos uma máquina de localização que cobre todos os países."
Mas é fácil esquecer isso com toda a euforia que cerca o iPhone. A Nokia ainda é de longe a maior e mais influente fabricante de celulares do mundo. O iPhone poderá conquistar os corações e ocupar os bolsos de pessoas da alta sociedade e fanáticos por quinquilharias, mas essas pessoas formam um grupo relativamente pequeno. A Nokia vai vender quase meio bilhão de celulares este ano - 50 vezes o número de iPhones que a Apple espera vender. A companhia finlandesa já está bem entrincheirada nas ruas caóticas de Lagos (Nigéria), nos campos de arroz ao longo do rio Ganges e em fábricas e escolas de cidades que vão de São Paulo a Xangai. Seus celulares estão presentes em áreas onde as pessoas nunca ouviram falar da Apple.
Portanto, para a maior parte da humanidade, será a Nokia, muito mais do que suas concorrentes americanas, que vai definir a internet móvel. "Chegamos a um número muito grande de consumidores", diz Vanjoki. "Eles esperam coisas novas da Nokia."
A companhia foi forçada a olhar para além de suas fronteiras. Como a população da Finlândia é de apenas 5 milhões, a Nokia não pôde se dar ao luxo de depender de seu mercado doméstico, como a Apple pode. E os finlandeses foram muitíssimo bem-sucedidos em suas incursões mundiais. Nos últimos 15 anos, a Nokia passou de uma fabricante de botas de borracha e produtora de papel quase falida, para uma gigante tecnológica com receitas de US$ 79 bilhões.
Vanjoki, de 52 anos, personifica a determinação bruta que faz da Nokia essa força. Vice-presidente-executivo que atua com o diretor-presidente Olli-Pekka Kallasvuo, Vanjoki supervisiona o marketing, a produção e o relacionamento com as companhias de telecomunicações e outros clientes. A arrogância executiva não tem lugar na amistosa Nokia e Vanjoki tem cuidado para não se apresentar como seu único visionário. Mas, assim como a Nokia, ele é muito competitivo. Ele joga na equipe finlandesa de basquete para atletas com mais de 50 anos e se distrai caçando ursos nas florestas ao norte de Helsinque. Outros hobbies incluem andar de motocicleta. Ele tem duas, uma Harley-Davidson e uma Triumph.
Vanjoki iniciou a sério o esforço para colocar a Nokia no coração da internet móvel em 2004, quando liderou o lançamento do Nseries, um celular mais sofisticado. Os aparelhos foram a primeira tentativa de atender todas as necessidades digitais dos clientes. Os modelos mais recentes possuem câmeras de alta resolução, tocadores de música, GPS e a mesma potência que os laptops tinham há poucos anos. Vanjoki diz: "Dentro da Nokia, eu tenho sido a face da convergência".
A dúvida é se a Nokia conseguirá cumprir a promessa da internet móvel antes que a oportunidade seja roubada pelos concorrentes. Além da Apple, o Google também está ciscando no terreiro da Nokia. A gigante das buscas na internet ajudou a desenvolver um novo sistema operacional para celulares chamado Android, para certificar-se de que terá seus serviços de busca e propaganda nos telefones móveis. A operadora de telefonia sem fio T-Mobile lançou o primeiro telefone com o sistema operacional Android nos Estados Unidos em 24 de setembro. Além disso, a RIM, depois de tornar seu Blackberry um item obrigatório no mundo dos negócios, está agora correndo atrás dos consumidores.
Vanjoki e seus rivais concordam com uma coisa: a internet móvel vai pertencer àqueles que anteciparem melhor as novas maneiras com que as pessoas vão usá-la. Que sites elas vão visitar? Que informações elas querem? Embora a Nokia realize pesquisas exaustivas com os consumidores, um ponto de honra na sede da companhia é que os números não mostram tudo. Vanjoki chega ao ponto de rondar ele mesmo, sozinho e anônimo, shopping centers de todas as partes do mundo. Um de seus favoritos é o Mall of America de St. Paul, Minnesota, nos Estados Unidos. "Isso me mantém lúcido", diz ele. "Você encontra pessoas normais e não apenas executivos chatos."
Você também aprende muita coisa. Numa dessas visitas a shopping centers, dez anos atrás, Vanjoki viu alguns jovens com telefones que eles mesmos haviam decorado. Isso levou a Nokia a começar a vender capas substituíveis de múltiplas cores e padrões, que se tornaram um grande sucesso. Isso também alertou a Nokia para um acontecimento maior: os telefones celulares estavam se transformando em itens da moda. A companhia passou a enfatizar mais o design, um passo importante no aumento de sua participação de 40% no mercado mundial de celulares.
Numa manhã de segunda-feira recente em Dusseldorf, na Alemanha, Vanjoki usou algumas horas antes das reuniões de negócios para percorrer o principal centro comercial da cidade. Em uma loja que vendia produtos eletrônicos a preços populares, ele prestou atenção a uma senhora enquanto ela fazia perguntas a um balconista sobre uma rede doméstica wireless. Vanjoki fez anotações em uma pequena agenda preta, enquanto a mulher levava o equipamento para o balcão de saída - mais uma evidência de que as pessoas mais idosas têm mais conhecimento sobre tecnologia do que a maioria das pessoas pensa. Vanjoki acenou com a cabeça em direção a um jovem que usava um boné de baseball e óculos escuros: "Olhe aquele cara - ele tem cinco aparelhos pendurados no pescoço". Uma confirmação, para Vanjoki, de que os jovens estão sempre conectados, não importa onde estejam.
Passeios como esse inspiraram Vanjoki e seus colegas a elaborarem uns poucos princípios básicos para a internet móvel. Para começar, no mundo desenvolvido, os aparelhos móveis serão extensões dos PCs - e não substitutos. Os consumidores vão querer acesso aos seus sites e serviços favoritos, estejam eles no computador de casa, num cyber café ou em trânsito. Como resultado, a Nokia está investindo em pesquisa e desenvolvimento em seu site Ovi, que permite às pessoas compartilharem músicas, fotografias e vídeos entre PCs e aparelhos portáteis.
Em muitos mercados emergentes, a situação será diferente - os celulares serão a única maneira que a maioria das pessoas terá de entrar na internet. Portanto, os aparelhos precisarão ter uma gama maior de atividades. Na Índia, onde a Nokia possui mais de 50% do mercado de celulares, a companhia já oferece aparelhos na faixa intermediária de preços com mapas, e-mail e previsão do tempo atualizada.
A Nokia vem se ocupando dos serviços personalizados para a localização de um celular desde a década de 1990, mas Vanjoki diz que só foi perceber toda a importância disso em um certo dia de 2002, enquanto caminhava por uma floresta na Finlândia. Ele levava consigo um dos primeiros aparelhos de GPS, com uma pequena figura humana animada ilustrando a posição do usuário. Ao observar a figura caminhar, Vanjoki teve a epifania de que o lugar onde as pessoas estão - o que ele chama de "contexto" - é fundamental para tudo mais. Rapidamente ele ligou para seu escritório para ditar alguns de seus pensamentos sobre como a Nokia poderia capitalizar a idéia.
A Nokia demonstrou o quanto acredita no contexto ao pagar US$ 8,1 bilhões pela Navteq de Chicago, nos Estados Unidos, uma provedora de informações sobre ruas e cidades de todas as partes do mundo para uso na navegação eletrônica. O negócio, o maior já feito pela Nokia, foi fechado em julho. Hoje, a Nokia é a maior fabricante de aparelhos de GPS do mundo e vende assinaturas para assistência a navegação por voz para motoristas e localização para pedestres.
Mas isso é apenas a primeira parte do que Vanjoki vislumbra para o mapeamento. Ao usarem informações que coletam com os aparelhos de GPS, as pessoas começarão a criar mapas virtuais de suas vidas. Isso já começa a acontecer. No ano passado, a Nokia anunciou um protótipo do Sports Tracker, um aplicativo gratuito para corredores e outros atletas que usam um GPS phone para registrar seus treinamentos. Um milhão de pessoas baixaram o programa, que rapidamente se transformou numa maneira dos usuários criarem diários on-line e compartilhar fotografias de seus paradeiros. A Nokia rebatizou o programa de viNe para os atletas e outros, ressaltando o quanto a internet móvel está evoluindo mais com o uso da criatividade do que por decreto corporativo.
Vanjoki já está pensando além de 2015, imaginando como um mundo que nos cerca vai misturar-se com a realidade virtual em nossos bolsos. Soa meio esotérico, mas concorrentes de longa data da Nokia alertam que não se deve subestimar a companhia. "Nunca subestime os finlandeses", diz Carl-Henric Svanberg, presidente da sueca Ericsson. "Eles podem não parecer muito agressivos em seus comentários, mas são em suas ações."
Veículo: Valor Econômico
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