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30/05/2016 11:04 - Desemprego cresce e atinge 5,6 milhões de mulheres

Formatar currículos e enfrentar as filas nas agências de emprego ocupam boa parte do tempo de Michele Adriane Temóteo de Souza, de 23 anos, ex-empregada de uma empresa de telemarketing de Belo Horizonte que encerrou as atividades em março. Na espera por uma vaga difícil de ser conquistada, a rotina dela não difere do dia a dia de Jéssica Cristiane dos Santos Silva, de 25, formada em marketing, também à procura de uma oportunidade de voltar ao mercado de trabalho, mas, desta vez, já disposta a aceitar um cargo de menor complexidade, como o de atendente. Michele e Jéssica batalham numa disputa cruel. Elas fazem parte do grupo de brasileiros que, hoje, mais sofre com o desemprego no Brasil.

Sem rosto na estatística dos 11,1 milhões de pessoas que buscam atualmente uma ocupação no país, mais da metade dos desempregados no Brasil é de mulheres, universo de 50,8% do total, ou seja, 5,638 milhões de trabalhadoras, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A luta é, da mesma forma, dura para os desempregados em duas faixas de idade que somam quase 70% dos desempregados – a de 25 a 39 anos, portanto em plena idade de trabalhar, e os jovens de 18 a 24 anos. Quando os currículos chegam aos departamentos de Recursos Humanos completam o perfil dos brasileiros mais sacrificados pela falta de trabalho: 38% têm o ensino médio completo.

“Para onde você vai, há mulheres buscando emprego. O medo é de que, com essa realidade, voltemos a ser como antigamente, com riscos de perder tudo aquilo que conquistamos”, lamenta Michele Adriane. O receio tem sentido. A taxa de desocupação no primeiro trimestre de 2016 no país foi estimada em 9,5% para os homens e 12,7% para as mulheres. Na média, o desemprego no país alcançou 10,9%, com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, referente ao primeiro trimestre do ano.

Em Minas Gerais, onde há 1,2 milhão de desocupados, são 606 mil (50,3%) mulheres jovens sem emprego e na Grande BH há 194 mil (51,3%) desempregadas. Preocupadas por estarem engrossando as estatísticas, elas temem um retrocesso na grande conquista feminina: a entrada para o mercado de trabalho. O Estado de Minas encontrou Michele numa agência de recrutamento da capital, enquanto ela participava de uma entrevista para o cargo de atendente, disputada por 15 mulheres.

“Passei a distribuir meu currículo e até agora não consegui nada fixo. A disputa está mais acirrada e os salários mais baixos”, comenta Michele. Ela mora com mãe, doméstica, que é quem paga as despesas da casa. Concorria com ela à vaga Jéssica Cristine Silva, de 25 anos, formada em marketing. Ela procura trabalho há um mês, depois que a empresa na qual trabalhava faliu. “Distribuo cerca de 10 currículos por dia e metade deles me leva a alguma entrevista”, diz Jéssica.

Por causa da dificuldade de conseguir emprego, Jéssica decidiu ampliar as áreas de busca pela ocupação, tentando a vaga de atendente que oferecia salário mensal de R$ 900. “O maior salário para vagas que já disputei foi de R$ 3 mil, mas tudo está muito concorrido e não dá mais para procurar só na minha área”, lamenta. A situação feminina é, para a coordenadora de carreiras da escola de administração e negócios Ibmec, Cynara Bastos, um sinal preocupante. “Essa realidade é fruto de uma história antiga, em que no momento de crise elas pagam o pato”, comenta, dizendo que, como tem tido pouca ofertas de trabalho, muitas mulheres podem optar por ficar em casa cuidando dos filhos.

“Elas já recebem menos que os homens e, diante de um desemprego e de um custo de vida mais alto, elas podem recuar’”, diz. Cynara recorda que a mulher entrou para o mercado de trabalho mais tarde, o que foi uma conquista árdua. Segundo o IBGE, as mulheres são maioria (52,2%) da população em idade de trabalhar. No entanto, entre as pessoas ocupadas, no primeiro trimestre de 2016, a predominância foi de homens (57,4%). Além disso, foi constatado também que o nível da ocupação dos homens, no Brasil, está estimado em 65,8% e o das mulheres, em 44,6%.

Chefes de família

Apesar de a pesquisa do IBGE mostrar que o desemprego, que é generalizado, pesa mais entre aqueles com ensino médio completo, o sufoco também é grande para as pessoas com formação de nível superior. Que o digam as irmãs engenheiras Sílvia Coelho, de 38, e Elisa, de 27. Elas contam que na área em que atuam não há sequer anúncio de vagas. Elisa está sem trabalhar desde junho do ano passado e Sílvia, que tem o filho Pedro, de 2 anos, busca uma oportunidade desde dezembro. “O setor de engenharia não está contratando ninguém, já até pensei em mudar de área. Porém, não vejo que há uma predominância feminina nesse cenário. Está ruim para todos, homens e mulheres”, diz Sílvia.

O alto desemprego feminino, contudo, preocupa inclusive pelo fato de que boa parte das mulheres tem função central no sustento da família. No ano passado, uma análise do IBGE mostrou que as brasileiras estão tendo filhos mais tarde e se tornando chefes de família em mais domicílios do país. O levantamento englobou uma década e comparou dados dos censos de 2000 e 2010. No período, a proporção de brasileiras com ao menos um filho diminuiu em todas as faixas etárias mais jovens, o que, segundo o instituto, seria um dos reflexos do aumento da escolarização delas, que passaram a postergar a maternidade para continuar os estudos.

Em 2000, elas comandavam 24,9% dos 44,8 milhões de domicílios particulares. Em 2010, essa proporção cresceu para 38,7% dos 57,3 milhões de domicílios – um aumento de 6,1 pontos percentuais. Ao analisar o tipo de composição familiar, as mulheres aparecem como chefes de 87,4% das famílias de pessoas sem cônjuge e com filhos. Com a crise política e econômica no Brasil que vem impactando o mercado de trabalho, elas, de fato, estão perdendo espaço.

Currículos se multiplicam nas agências

Diante da disputa acirrada de vaga pelas mulheres e não menos difícil para os homens, onde está a resposta que eles procuram? Há muita demanda para pouca oferta, confirmam tradicionais agências de emprego na capital mineira. Segundo empresas de recrutamento de mão de obra ouvidas pelo EM, em dois anos o número de vagas ofertadas tanto para profissionais com curso superior quanto para aqueles de baixa escolaridade caiu cerca de 80%, e as poucas colocações que hoje existem combinam baixo salário com exigência de comprovação da experiência na área.

Há mais de 40 anos no ramo, José Carlos Teixeira, diretor e fundador da Conape Recursos Humanos, diz que o Brasil tem assistido à maior crise do mercado de trabalho. “Está realmente ruim. Tínhamos aqui, em 2014, por exemplo, cerca de 200 vagas por dia. Hoje, são 25”, aponta, dizendo que, dessas ofertas, grande parte é dirigida a ocupações em áreas operacionais. “Oportunidades para quem tem curso superior estão raras. Até para estagiário a demanda está fraca”, lamenta. Ele conta que empresários têm demitido funcionários que ganham salários melhores para contratar outros que fazem o mesmo serviço por menos. “É a lei da sobrevivência. As empresas precisam sobreviver e estão fazendo isso”, diz.

O número de currículos que batem à porta das agências mais que duplicou neste ano. “É tanto que não consigo nem ler todos”, diz Teixeira. Para Thiago Fuscaldi, um dos sócios da empresa Gente e gestão RH, quem contrata atualmente está mais criterioso e selecionando mais. “O mercado mudou, tanto na parte de redução de vagas quanto no perfil de quem contrata”, diz. Na última terça-feira, havia 33 vagas abertas na agência, cerca de 80% menos do que o observado em 2014, quando surgiam, por dia, 200 vagas. Ele também ressalta que a maior oferta tem sido para a área operacional, com destaque para as funções de atendente e frentista. “Com um número maior de candidatos, muitos mandam currículos que não se encaixam no perfil de determinada vaga. Às vezes, de 10 currículos que recebo, cinco se enquadram naquilo que a empresa pediu”, afirma.

Fuscaldi destaca que os salários pagos também estão achatados. “Hoje, as vagas que oferecem salário abaixo do mínimo, ou pagam o mínimo desde que o profissional tenha experiência de dois ou três anos.” Na agência, das 33 vagas disponíveis na última terça-feira, somente 15% eram destinadas a candidatos com formação de nível superior. Ele conta que tem aumentado a procura de pessoas que fizeram o curso superior por vagas operacionais. “As empresas não aceitam esses candidatos porque sabem que o trabalhador não vai ficar muito tempo no emprego.” A agência recebe 500 currículos por dia, cinco vezes mais em relação ao volume que recebia em 2014.

A Selpe, uma das empresas pioneiras em recrutamento em Minas Gerais, oferecia, na última terça-feira, 23 vagas para BH e 31 cidades do interior do estado. “A oferta está pulverizada. Já observamos que os projetos de vagas de nível operacional estão menores, assim como para cursos superiores” comenta a coordenadora de recrutamento de seleção do Grupo Selpe, Keith Lee. Ela compara que, em 2014, não havia mão de obra especializada no mercado, já que “todo mundo estava empregado”.

“Naquela época, o que dificultava a colocação de profissionais era a pretensão salarial, que, em razão do aquecimento do mercado de trabalho, era alta. Os candidatos, hoje, estão mais flexíveis, tanto que uma vaga sênior para a engenharia, por exemplo, tem salário inicial de R$ 7,5 mil, sendo que antes os interessados pediam R$ 9 mil”, analisa a coordenadora da Selpe. Keith afirma que as empresas estão buscando pessoas mais experientes e mais dispostas a ganhar menos.

 



Veículo: Jornal Estado de Minas - MG

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