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24/10/2014 08:45 - Tributos e escassez de crédito emperram setor de bicicletas

A ampliação das ciclovias na capital paulista aumentou o interesse dos consumidores em adotar o transporte em duas rodas. Algumas fabricantes registram crescimento na vendas, mas o movimento não é generalizado. Para a maior parte dessa indústria, que nos últimos anos mostra estagnação e neste ano caminha para uma provável retração devido à desaceleração econômica, o efeito ainda é pequeno. Mas há a expectativa de expansão vigorosa nos próximos anos.

A elevada carga tributária e a falta de programas de financiamento dificultam as compras por consumidores de menor renda, que já estão com o bolso comprometido com outras despesas. Algumas varejistas, no entanto, relatam crescimento nas vendas, principalmente de bicicletas importadas (ver Varejistas detectam demanda maior).

A Houston, que produz em média 800 mil bicicletas por ano em um complexo fabril em Teresina (PI), afirma que as ciclofaixas devem aquecer o mercado de bicicletas a partir deste ano e, principalmente, no longo prazo. "Nossa expectativa é positiva. Assuntos como sustentabilidade, saúde, prática de esporte e incentivo ao transporte limpo estão cada vez mais em alta", afirma Adilson Custódio, diretor comercial. A produção da companhia deve avançar em dois dígitos em 2014, segundo ele.

A brasileira Soul Cycles, fabricante de cerca de 40 mil bicicletas por ano, também projeta ampliar as vendas em 2014. Fundada em 2010, a empresa está em fase de expansão. São Paulo é o segundo maior mercado para a companhia, concentrando 35% das receitas. O principal mercado da Soul Cycles, que tem fábrica em Itajaí (SC), é a região Sul, destino de 42% da sua produção.

As entidades que representam o setor de bicicletas não possuem dados específicos sobre produção e vendas em São Paulo, o que torna mais difícil reconhecer mudanças imediatas no segmento. "Não há licenciamento, o que torna difícil acompanhar as variações de volume", diz José Eduardo Gonçalves, diretor-executivo da Abraciclo, entidade que reúne os fabricantes de bicicletas, motos, motonetas e outros veículos de duas rotas no país.

Segundo dados da Abraciclo, o número de bicicletas fabricadas no Brasil tem se mantido estável nos últimos anos, em torno de 4,5 milhões de unidades. A média de preços no país varia de R$ 250 - para uma versão simples, sem marchas - a R$ 3 mil. Um modelo dobrável, adequado para integração com outros tipos de transporte, custa cerca de R$ 1,5 mil.

Para a Associação Brasileira da Indústria, Comércio, Importação e Exportação de Bicicletas, Peças e Acessórios (Abradibi), o preço dos produtos é um fator que dificulta um incremento mais forte da demanda. Ana Lia de Castro, diretora executiva da Abradibi, afirma que, o elevado volume de impostos encarece as bicicletas e a falta de programas de financiamento faz com que o veículo perca atratividade para as motocicletas em periferias.

"Nos grandes centros, como São Paulo, desde o início dos programas de infraestrutura cicloviária, as bicicletas deixaram as garagens. Mas isso não se refletiu no mercado", afirma Ana Lia. Afetado pela desaceleração econômica, o setor sofre retração. De um questionário enviado pela Abradibi a 200 fabricantes, a média de respostas indica queda de 14% das vendas em 2013 e um recuo de cerca de 20% neste ano.

As importações de bicicletas também diminuíram neste ano. De acordo com dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), no primeiro semestre as importações caíram 24,2% em volume, para 102,6 mil unidades. Em volume financeiro, houve aumento de 6,95%, para US$ 18,6 milhões.

Ana Lia, da Abradibi, explica que as fabricantes que investiram na produção de modelos de maior valor agregado conseguiram manter ou elevar o faturamento nos últimos anos. "Quase metade das bicicletas do país são usadas como meio de transporte, mas o investimento principal das fabricantes vai para bicicletas de esporte, que são mais caras."

No decorrer da campanha à reeleição, a presidente Dilma Rousseff (PT) defendeu as bicicletas como meio de transporte público e propôs a criação de uma linha de financiamento exclusiva para sua aquisição. A prefeitura de São Paulo, comandada por Fernando Haddad (PT), encampou a proposta. A cidade possui mais de 100 km de vias para o deslocamento de ciclistas e a prefeitura tem como meta chegar a 200 quilômetros até dezembro e dobrar a extensão até o fim de 2015.

Gonçalves, da Abraciclo, diz que o aumento da visibilidade das bicicletas estimula o uso do meio de transporte, mas isso não é o suficiente para uma recuperação do setor. "Para que a indústria nacional possa competir em qualidade e ter preço melhor que as asiáticas, a produção tem que adicionar partes e peças de maior valor agregado", afirma. A entidade sugere um novo processo produtivo básico, com a nacionalização de parcela dos componentes e investimento em novos produtos. Atualmente, em torno de 80% das peças são importadas, vindas principalmente da Ásia (Índia, China, Taiwan e Japão).

"As ciclofaixas trarão um aumento do consumo, mas nos preocupa a questão de infraestrutura", diz Alexandre Adoglio, gerente de marketing da Soul Cycles. "Faltam pontos de apoio ao ciclista, de mecânica, de hidratação, além de locais para guardar a bicicleta." A melhora nesse quadro traria mais ciclistas para as ruas.

De acordo com Adoglio, o produto mais procurado é a bicicleta de usos variados. "A maioria dos brasileiros não compra bicicletas para uma única aplicação - apenas trabalho ou esporte -, como ocorre em outros países", diz. O preço médio de venda dos modelos é de R$ 3,5 mil. Em função das ciclofaixas, a Soul Cycles estuda ampliar a atuação no segmento de serviços em 2015, com pontos de apoio aos ciclistas. A empresa já tem uma loja conceito que oferece cafeteria, guardadores e oficinas mecânica para ciclistas, próxima à Cidade Universitária, na capital paulista.



Varejistas detectam demanda maior

A produção de bicicletas no país ainda não decolou. Mas no varejo, algumas companhias notam um aumento da procura por bicicletas e acessórios - novos e usados. Na Centauro, rede de lojas de artigos esportivos do Grupo SBF, as vendas de bicicletas apresentaram um aumento em volume de 20% no acumulado de janeiro a setembro, frente ao mesmo período de 2013. Em receita, o aumento foi de 33%.

"O que se nota é que os consumidores estão investindo mais em equipamentos de melhor qualidade", disse Maricy Stinchi, gerente de produtos do Grupo SBF.

De acordo com a executiva, as vendas de acessórios, como capacetes, luvas, macacões e bermudas de ciclismo também aumentaram, mas em um patamar inferior a 20%. Entre as capitais que possuem ciclovias, Salvador é a cidade onde as vendas da Centauro mais crescem neste ano. "Se formos considerar a venda por loja, no entanto, a loja de Recife é a que apresenta o maior volume de vendas", disse.

Na internet, a procura aumentou. A Netshoes informou que percebeu um aumento da procura por bicicletas no site, mas não informou qual foi o percentual de aumento em relação a 2013.

No Mercado Livre, as vendas de bicicletas novas e usadas cresceram 36% no período de janeiro a setembro, disse Leandro Soares, diretor de marketplace do Mercado Livre no Brasil. "É um desempenho acima da média do Mercado Livre, que registra aumento nas vendas de 20% e 25% no ano."

O Mercado Livre não divulga dados específicos sobre as vendas em São Paulo. O executivo observou que, além de bicicletas, o Mercado Livre também apresentou aumento nas vendas de acessórios, como banquinhos, freios, suspensão, pedais e roupas para ciclismo.

No Mercado Livre, 80% das vendas de itens de ciclismo são de produtos novos e 20%, usados. Os preços das bicicletas variam de R$ 250 a R$ 30 mil. O valor médio das compras no segmento de ciclismo é de R$ 207, segundo a empresa. Segundo Soares, as bicicletas fabricadas na Zona Franca de Manaus, como as da Caloi, são isentas de IPI e têm preços inferiores aos de marcas importadas como Specialized, Scott, Brompton e Cannondale.

A francesa Décathlon informou que não dispunha de porta-voz para comentar o assunto. O Grupo Pão de Açúcar (GPA) informou que não houve alteração relevante no volume de vendas de bicicletas neste ano. Uma fonte de outra grande rede varejista disse que notou um aumento nas vendas, mas não forneceu mais detalhes.



Veículo: Valor Econômico

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