Geral
29/09/2014 08:03 - Calçadistas buscam estancar perda de espaço
Participação do Estado na produção despencou ao longo das últimas décadas e não esboça sinal de recuperação
Os tempos áureos da indústria calçadista gaúcha ficaram para trás. Detentor da maior parte da produção nacional até os anos 1990, o Rio Grande do Sul observa empresas migrarem para outros estados, diminuição dos postos de trabalho e vendas internacionais em declínio. Os fatores se somam às dificuldades enfrentadas pelo setor nacionalmente, como as barreiras comerciais impostas por alguns países e a perda de espaço para os importados. Em meio a esse cenário, a representatividade da atividade na economia do Estado vem recuando cada vez mais.
Segundo dados da Fundação de Economia e Estatística (FEE), a participação do ramo coureiro calçadista no total do valor adicionado da indústria de transformação gaúcha caiu de 8,3% para 7,1%, entre 2007 e 2012. No mesmo período, no Brasil, passou de 1,7% para 1,9%. A condição de exportador do Rio Grande do Sul também vem sendo colocada em xeque. Em 2000, o Estado contribuía com 74,7% dos pares brasileiros enviados a outras nações. No ano passado, esse índice atingiu 13,4%. No período, quem mais ganhou terreno foi o Ceará, cuja participação saltou de 11,4% para 42,1%.
“A situação da indústria calçadista gaúcha é crítica. Até pouco tempo atrás, o Estado compensava a perda de mercado por meio da exportação de calçados de maior valor agregado, mas não está mais conseguindo sustentar isso”, aponta a economista da FEE Maria Calandro. De janeiro a agosto de 2014, em comparação à mesma época de 2013, as empresas gaúchas exportaram mais pares (11,6 milhões frente 10,9 milhões) e arrecadaram menos (US$ 261 milhões frente US$ 264 milhões). A pesquisadora destaca que, mesmo que as companhias gaúchas se concentrem na fabricação de produtos de maior valor agregado, como calçados de couro e femininos, a competição nesse nicho é acirrada com as marcas italianas.
Com a saída de grandes empresas com destino, principalmente, ao Nordeste, o nível de emprego baixou. Entre 2007 e 2013, foram fechados aproximadamente 14 mil postos de trabalho em solo gaúcho. A Relação Anual de Informações Sociais (Rais), entretanto, mostra estabilidade no número de empresas no período. Ao todo, eram 3.292 estabelecimentos, passando a 3.293 no ano passado. Nesse tempo, houve retração nas atividades de curtimento e preparação de couro (de 229 para 197 estabelecimentos) e na fabricação de calçados de couro (de 2.970 para 2.964), mas a quantidade de companhias dedicadas à fabricação de pares de material sintético cresceu.
O presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados), Heitor Klein, lembra que a mudança de empresas gaúchas é motivada, principalmente, pelas vantagens fiscais oferecidas pelos estados localizados no Nordeste e pelo custo mais barato da mão de obra. “Dificilmente esses investimentos retornam ao Rio Grande do Sul. Isso é um processo irreversível, embora haja casos pontuais”, enfatiza. Apesar de algumas empresas terem fechado suas fábricas em solo nordestino recentemente, caso da Via Uno e suas plantas na Bahia, Klein salienta que a região segue sendo mais atrativa para os empresários do setor.
A realocação de plantas industriais, porém, não é suficiente para manter o setor competitivo. O mercado interno, que vinha segurando o crescimento da atividade, já demonstra sinais de desaquecimento. “As importações tiveram grande crescimento, mas, recentemente, o mercado doméstico também crescia forte, cerca de 10% ao ano. Acontece que esse modelo do consumo doméstico se esgotou e nossa perda de competitividade no mercado internacional continua”, lamenta Heitor Klein.
Em 2014, até o momento, o Brasil importou 26,7 milhões de pares de calçados, em negociações que totalizaram US$ 404 milhões. Em paralelo, foram exportados 81,9 milhões de pares, captando US$ 698 milhões.
Segmento tem dificuldade para conseguir mão de obra, avaliam sindicalistas
Hoje com aproximadamente 105 mil empregados, a indústria calçadista do Rio Grande do Sul já chegou a manter quase 170 mil trabalhadores até o início dos anos 1990. Mesmo que a redução do tamanho do setor no Estado venha se estabilizando, a atividade segue gerando mais dúvidas do que certezas em relação ao futuro. Nesse sentido, um dos principais desafios é encontrar mão de obra.
“Voltar a ter uma indústria como tínhamos antigamente, não vai acontecer. Há grandes dificuldades para se fechar turmas nas capacitações”, justifica a economista da Fundação de Economia e Estatística (FEE) Maria Calandro. A pesquisadora lembra que o aumento da renda das famílias brasileiras e o emprego em alta no País tornaram os setores de mão de obra intensiva, caso da indústria calçadista, menos atraentes para os trabalhadores, em função da baixa remuneração e da pesada jornada de trabalho.
“A juventude que está entrando no mercado de trabalho prefere outras opções. Temos dificuldade em qualificar mão de obra”, reconhece Júlio Lopes, presidente do Sindicato dos Sapateiros de Campo Bom, um dos principais produtores do Estado. Nos anos 1980, a cidade e suas cercanias contavam com 16 mil profissionais no ramo. Atualmente, o segmento conta com cerca de 7 mil trabalhadores, distribuídos em mais de 100 empresas. “Tivemos um primeiro semestre de 2014 complicado, com empresas demitindo, outras dando férias coletivas”, ressalta.
Também entre os maiores fabricantes gaúchos, Sapiranga igualmente viu sua indústria calçadista reduzir de tamanho nas últimas décadas. Na cidade e seu entorno existem 1,2 mil funcionários do setor. “A produção de calçados deu uma freada nas últimas décadas, mas crise mesmo não existe. O momento atual é de estabilidade, umas empresas com bastante demanda e outras sem tantos pedidos”, analisa o presidente do Sindicato dos Sapateiros de Sapiranga e Região, Júlio Cavalheiro Neto.
Veículo: Jornal do Comércio - RS
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