Geral
18/08/2014 09:50 - Chocolate: Uma atração irresistível.
Rejane Aguiar
Há alguns anos, comprar uma caixa de “bombons sortidos” no supermercado era o máximo que um brasileiro de classe média ou de renda mais baixa poderia fazer, no dia a dia, para satisfazer a vontade de comer chocolate – torcendo para encontrar na caixa o seu bombom favorito.
Na verdade, podia também escolher barras de chocolate ao leite aerado ou crocante, o que, em termos de qualidade, dá praticamente na mesma. Não era comum ver alguém sair de casa só para comprar o mais famoso derivado do cacau: as pessoas aproveitavam as visitas mensais ao supermercado para colocar chocolate no carrinho ou compravam uma barrinha no restaurante perto do trabalho depois do almoço.
Embora as redes supermercadistas e os restaurantes ainda sejam canais muito importantes de vendas para a indústria e apesar de lojas de chocolates finos, para públicos de maior poder aquisitivo, existirem há décadas, o cenário hoje é completamente diferente.
Pelo menos nos últimos dez anos ganhou força um modelo de negócio que agrega produtos de melhor qualidade a um cuidado redobrado com embalagem e apresentação do chocolate. E esse modelo de sucesso começa a atrair o interesse estrangeiro, como o da suíça Lindt, recém-chegada ao varejo nacional.
Ao lado de marcas internacionais populares, fabricantes locais; ao lado dos supermercados, lojas exclusivas. Considerando só as duas maiores redes de varejo fabricantes de chocolates – Cacau Show e grupo CRM (detentor das marcas Kopenhagen e Chocolates Brasil Cacau) – há no País cerca de 2,5 mil lojas onde os consumidores podem encontrar bombons, barras, caixas para presente e outros diversos itens relacionados ao mundo do chocolate, além de apreciar um bom café expresso. Também crescem pequenas e médias empresas, baseadas em produção artesanal, às vezes orgânica, e venda em mercados locais.
Os dados de consumo são provas do sucesso desse movimento e, ao mesmo tempo, indicadores do potencial de crescimento do mercado. O consumo de chocolate no Brasil hoje gira em torno de três quilos per capita por ano – muito mais que os 300 gramas registrados em 2002, mas ainda a anos-luz do consumo dos alemães, perto de dez quilos anuais por habitante. Somos hoje o quarto maior consumidor de chocolates do mundo.
A chegada da centenária Lindt & Sprüngli a São Paulo, com lojas exclusivas nos shoppings Higienópolis e Morumbi, comprova o crescente interesse do consumidor brasileiro pelos chocolates finos, que têm sido importantes motores do mercado no País.
“Historicamente, o mercado brasileiro de chocolates cresce a uma taxa de 10% ao ano. No caso dos itens premium, a expansão anual chega a 20%. As empresas têm acompanhado as mudanças de hábitos de consumo favorecidas pelo aumento da renda e oferecem o que as pessoas mais procuram. Essa relação faz a cadeia produtiva e o varejo crescerem e se aprimorarem”, observa Caio Tomazeli, diretor-adjunto de chocolates premium da Associação Brasileira da Indústria de Chocolates, Cacau, Amendoim, Balas e Derivados (Abicab).
Foi graças a essa ampliação de mercado, aliás, que a entidade resolveu criar, há pouco menos de um ano, uma diretoria específica para cuidar da área de chocolates premium. São incluídos nessa categoria os produtos mais elaborados (não necessariamente de maior preço), destinados a canais de varejo que não exclusivamente os de supermercados e grandes atacadistas.
No próximo mês, a cidade gaúcha de Gramado, tradicional polo de fabricação de chocolates finos, sedia a terceira edição da Feira Brasileira do Mercado de Chocolate (Febrachoco). Simultaneamente, participantes do setor vão discutir o desenvolvimento das linhas premium em uma das sessões do Congresso Latino-Americano do Chocolate (Chocolatino), tratando de assuntos como qualidade de matéria-prima, técnicas de fabricação, embalagem e marketing de produto.
Nunca os brasileiros viajaram tanto para o exterior quanto na última década, o que levou as pessoas a conhecer o varejo especializado de chocolates (principalmente na Europa e nos Estados Unidos) e a se encantar com essas lojas, como se fossem parques de diversão para adultos. Seria natural, portanto, que esses consumidores também quisessem encontrar modelos parecidos por aqui.
É nesse contexto que a Lindt chega ao País, por meio de uma joint-venture com o grupo de CRM, dono de uma das mais tradicionais operações de chocolates finos no Brasil, a Kopenhagen, fundada em 1928. Como se vê em todo o varejo especializado em chocolates, a loja da Lindt é agradável, acolhedora e tem um desenho que permite ao consumidor pegar os produtos que desejar. Nos primeiros dias de operação, no fim de julho, filas se formaram na porta da unidade do Higienópolis, o que dá uma ideia do potencial desse segmento. A chocolateria suíça opera em cerca de 100 países e iniciou sua jornada na América do Sul pela Argentina. Os produtos vendidos nas lojas Lindt no Brasil são todos importados.
A procura do consumidor por bom chocolate a preços acessíveis é, portanto, ascendente. Um desafio e tanto para as empresas, considerando as particularidades da produção de cacau (o fato de o fruto exigir colheita manual é uma delas).
O mercado de chocolate vive um ambiente de expansão da demanda com as safras de cacau crescendo em ritmo mais lento, o que naturalmente eleva os preços das matérias-primas. Cada indústria tem sua estratégia, mas, em geral, as empresas trabalham com blends (misturas) de tipos de cacau vindos de várias partes do mundo, escolhidos para cada linha de produtos. Assim, elas podem modificar a combinação da matéria-prima em caso de escassez ou encarecimento exagerado de algum tipo de cacau sem alterar de maneira perceptível o sabor do produto final.
O Brasil produz atualmente cerca de 50% do cacau necessário para abastecer a indústria nacional – o restante é comprado de grandes mercados produtores, como Gana e Costa do Marfim, fornecedores de gigantes multinacionais de alimentos (Nestlé, Hershey’s, Kraftfoods) e de grandes chocolateiros suíços e belgas. Da produção interna, a maior parte vem dos cacaueiros da Bahia, que ainda se recuperam depois da devastação causada pela praga da vassoura-de-bruxa a partir do início dos anos 1990 (antes de esse fungo acabar com dois terços das plantações de cacau, o Brasil chegou a ser o maior produtor mundial de cacau).
Esse interesse por qualidade tem sido um fator fundamental para a evolução do mercado de chocolates no Brasil, avalia Tomazeli, da Abicab. “O que aconteceu, e continua acontecendo, no Brasil é muito curioso. O aprimoramento do mercado foi induzido pela demanda do consumidor, que ajudou a melhorar toda a cadeia produtiva, até chegar à fazenda de cacau.
A mudança saiu da ponta e chegou ao início da cadeia”, afirma o diretor da entidade. Existe, ainda, outro aspecto importante nessa história. É característica do consumidor brasileiro estar sempre em busca de novidades, o que obriga as empresas a inovar constantemente, criando combinações pouco usuais de ingredientes e oferecendo, no varejo, experiências sensoriais como a harmonização de chocolate com bebidas alcoólicas.
Campanhas para datas comemorativas além da Páscoa (dias das mães, dos namorados, dos pais, dos avós, do amigo etc) já fazem parte do dia a dia dos departamentos de marketing das marcas que operam no mercado nacional. Tudo para agradar um consumidor disposto a destinar uma parcela cada vez maior do orçamento ao prazer de degustar o mais importante derivado do cacau – fruto cujo nome científico (Theobroma cacao) é bastante apropriado: do grego, o alimento dos deuses (theo = deus; broma = alimento).
Da terra à barra, a revolução baiana.
O segredo do chocolate está na fazenda. A afirmação resume bem a convicção do jovem sócio da baiana Amma Chocolate, Diego Badaró, fervoroso defensor da biodiversidade da Mata Atlântica.
Mais do que produzir chocolate gourmet orgânico, de qualidade já há alguns anos reconhecida pelos prêmios que a marca recebeu no Brasil e no exterior, Badaró usa a produção dos cerca de 100 mil cacaueiros de suas propriedades na região de Itacaré, no sul da Bahia, para preservar a floresta.
Planta de origem amazônica, para se desenvolver o cacaueiro precisa da sombra e da umidade que as árvores tropicais de grande porte garantem. Sem mata não há cacau – muito menos cacau de qualidade. Badaró considera que o cultivo do fruto é um vetor da preservação do ambiente local.
Essa consciência da importância da Mata Atlântica, que acabou garantindo aos chocolates produzidos pela Amma em uma fábrica de Salvador um belo diferencial de mercado, apenas recentemente ganhou corpo no sul da Bahia, em grande parte por iniciativa de Badaró, de 33 anos.
A história de ocupação dessa imensa área em torno de Ilhéus não foi nada sustentável ou pacífica. O cacau chegou à Bahia no século XVIII e se adaptou muito bem ao ambiente, mas a corrida por esse “ouro vegetal” se intensificou nas primeiras décadas do século XX, simultaneamente ao aumento da demanda por chocolate na Europa. Milhares de migrantes foram tentar a vida por lá com o sonho de enriquecer e não demoraram a explodir sangrentas disputas por terras. Muitos dos que foram “fazer a vida” com o cacau acabaram virando jagunços de poderosos fazendeiros e outros tantos nunca voltaram para casa.
O dourado cacau maduro e as sementes do fruto. - Fotos: Divulgação
O cenário ficou muito bem registrado até na ficção, em obras de uma das mais conhecidas fases do escritor Jorge Amado. Em Terras do Sem-fim, publicado em 1943, ele descreve a disputa das famílias Badaró e Horácio Silveira por terras férteis para o cultivo do cacau. Sinhô Badaró, um dos personagens do romance, é tio bisavô de Diego Badaró, integrante, por sua vez, da quinta geração essa família cacaueira.
Foi um inimigo forasteiro de nome sugestivo que encerrou grande parte das disputas por terras cacaueiras no sul da Bahia: Moniliophtora perniciosa, fungo vindo da Amazônia de nome popular vassoura-de-bruxa. A praga se espalhou de maneira muito rápida a partir do início da década de 1990 e diminuiu radicalmente a produção baiana de cacau, que antes garantia ao Brasil o posto de maior produtor mundial. Para se ter uma ideia, a safra nacional no fim da década de 1980 era de aproximadamente 300 mil toneladas anuais e hoje não passa de 200 mil toneladas por ano.
A queda brusca causada pela vassoura de bruxa provocou abandono de terras na região de Ilhéus e um enorme desemprego. Foi dessa depressão que surgiu a Amma: há pouco mais de dez anos Diego Badaró, ainda muito jovem, resolveu retomar o cultivo do cacaueiro nas terras da família, mas sobre bases muito diferentes daquelas escolhidas por seus antepassados.
A produção da Amma tem um aspecto bastante interessante e muito valorizado no mundo dos chocolates gourmet. Badaró e seus sócios – a artista plástica Luiza Olivetto (responsável pela arte nas belas embalagens) e o chocolateiro norte-americano Frederick Schilling – estão em todas as pontas da cadeia produtiva, do cultivo orgânico do cacau às barras de chocolate prontas, passando por colheita, fermentação, secagem, torra, e produção do chocolate (em barras e em pó) conforme os aromas e sabores de cada lote de matéria-prima (a ideia se assemelha muito à da produção tradicional de vinhos). Em tese, a fabricação do chocolate comum passa por essas etapas, mas de maneiras diferentes.
Um exemplo: nas fazendas de Badaró, os trabalhadores colhem apenas os frutos maduros do cacau, de cor dourada (o cacaueiro tem essa particularidade de abrigar em uma mesma planta frutos em estágios diferentes de maturação). Esse cuidado garante um melhor sabor na hora da transformação das sementes em chocolate, mas também torna a colheita mais demorada e custosa (afinal, os trabalhadores precisam voltar às mesmas plantas várias vezes).
Na produção em larga escala, são colhidos frutos verdes, meio maduros e maduros, e as sementes são todas misturadas nas fases industriais seguintes. Outra diferença está na secagem. Depois de fermentadas, as sementes são secas ao sol durante 20 dias na Amma – processo, que na grande produção, é feita em fornos que nem sempre garantem uma secagem adequada. Está nesses detalhes a diferença dos preços. Uma barra Amma de 80 gramas custa em torno de R$ 16, valor que cai para cerca de R$ 5 no caso de barras comuns de 180 gramas de chocolate ao leite.
Acima, a inusitada barra de cupuaçu e, abaixo, a barra de 85%25 de cacau. - Fotos: Divulgação
Desde que retomou as terras dos Badaró, Diego se transformou em um importante fornecedor de cacau orgânico para várias indústrias e também em um chocolateiro, com a criação da Amma – que hoje exporta boa parte da produção. Agora chega ao varejo brasileiro. Os chocolates da Amma já estão em redes varejistas de todo o País (em São Paulo, podem ser encontrados em supermercados como Saint Marché e Casa Santa Luzia), em lojas de produtos gourmet e em cafeterias.
No início deste mês a empresa inaugurou uma pequena loja na Ceasinha do Rio Vermelho, em Salvador, e em breve deve ter um espaço próprio nos Jardins, em São Paulo, para exposição de produtos, vendas no varejo e degustações. Podem ser lugares apropriados para as pessoas conhecerem joias da Amma como a inusitada barra de cupuaçu, planta também abundante nas terras do sul da Bahia, prima do cacau. Intensa, com acidez e doçura equilibrada, a barra parece resumir bem a paixão que Diego Badaró tem pela biodiversidade brasileira. Aliás, o nome Amma é um palíndromo cuidadosamente escolhido: como pode ser lido em qualquer direção, simboliza os ciclos da natureza, que vão e vêm; faz referência a Amazônia e Mata Atlântica; e, por fim, significa mãe-natureza em sânscrito.
Veículo: Diário do Comércio - SP
Veja mais >>>
25/10/2024 15:51 - Presente em 98,8% dos lares, macarrão é categoria potencial para varejo alimentar21/08/2024 17:56 - Consumidores brasileiros focam em alimentação saudável
28/06/2024 10:21 - Como será o consumidor de amanhã?
27/06/2024 09:15 - Show de Paul McCartney em Floripa tem apoio do Angeloni Supermercados
25/06/2024 08:58 - Supermercados “étnicos” ganham força no varejo americano
24/06/2024 11:22 - Grupo Pereira reforça inclusão no mês dos Refugiados e Imigrantes
24/06/2024 11:22 - Roldão beneficia 200 crianças com Arraiá Solidário
24/06/2024 11:10 - Mais uma inauguração: Rede Bom Lugar chega a São Miguel Arcanjo (SP)
24/06/2024 11:07 - Sam’s Club e Atacadão chegam juntos em João Pessoa (PB)
21/06/2024 09:04 - Sadia celebra os seus 80 anos em grande estilo
20/06/2024 09:07 - Supermercados Pague Menos participa de ações de empregos
19/06/2024 09:15 - Supermercadistas criam vídeos virais e atraem clientes
18/06/2024 08:54 - Grupo Savegnago abre 500 vagas de emprego para pessoas com mais de 50 anos de idade
18/06/2024 08:53 - Natural da Terra anuncia Paulo Drago como novo CEO
18/06/2024 08:50 - Coop anuncia novos executivos em sua diretoria