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06/08/2014 12:56 - Uma feira onde nada se perde

Fernando Maia


Nas feiras agroecológicas, os alimentos são valorizados, as perdas minimizadas, os atravessadores não têm vez e a mercadoria é comercializada diretamente do agricultor familiar para uma clientela que, embora pequena, se mostra fiel


Quixeramobim/General Sampaio. Elas são pequenas, modestas e em menor quantidade, mas são exemplo de como valorizar os alimentos, ao contrário de suas congêneres, as feiras livres tradicionais. É nas feiras agroecológicas onde estão os gêneros alimentícios cultivados sem agrotóxicos e que são negociados diretamente pelos agricultores aos consumidores, que formam uma clientela fiel.

Em Quixeramobim, há 12 anos, todos os sábados, funciona uma dessas feirinhas. "Aqui, o atravessador não entra. Ele é barrado na porta", adverte Francisco Monteiro, presidente da Associação dos Feirantes Agroecológicos. "Da mesma forma, não estragamos os alimentos, pois sabemos da importância deles e da necessidade de aproveitá-los totalmente".

Monteiro, no entanto, ressalta que tal ocorre durante o cultivo, a colheita e as vendas. "Não podemos evitar que se perca um mínimo é durante o transporte. A gente acorda por volta das quatro horas para deixar a zona rural e vir aqui para a cidade. A maioria mora nos distritos de Manituba, São Miguel, Passagem e Sé, que ficam de 40 a 60 Km de distância da sede de Quixeramobim. As estradas vicinais estão em péssimas condições. A gente vem nos veículos que fazem transporte escolar, de pau de arara, misturado com outras pessoas. Por isso, afora o jerimum e a macaxeira, as demais frutas sempre se perdem, embora numa quantidade mínima. Vale ressaltar, aquilo que se estraga retorna conosco para darmos uma destinação que não seja o lixo".

O presidente da Associação destaca que a fidelidade dos clientes é tamanha que "podemos vender fiado a eles, pois temos a certeza de que na outra semana retornarão para comprar mais. Sabem que não usamos agrotóxico. O que colhemos é em pequena escala, mas é saudável. Recentemente, um produtor nos procurou para participar da feira. A gente estava prestes aceitar. Quando ele falou que utilizava agrotóxico, vetamos a entrada dele. Não foi nada pessoal. É que não podemos cair no descrédito junto à nossa clientela".

O empreendimento familiar funciona num galpão cedido pela Prefeitura e possui um depósito, banheiros e até uma sala para pequenas reuniões. "Tínhamos um sanfoneiro que fazia parceria conosco. Ele cantava somente músicas autenticamente regionais, como de Luís Gonzaga. Após sofrer um acidente, conseguimos um som emprestado para substituí-lo. Sempre no dia 6 de junho, a movimentação é maior, já que é a nossa data de fundação", afirma Monteiro.

Agricultura familiar

Por ser praticada em pequena escala e destinada para o consumo da própria família, na agricultura familiar, o índice de perdas é irrisório. Os alimentos são tratados quase que individualmente, como se fossem peças raras de uma coleção. Esse cuidado é demonstrado por Francisco Alves de Souza, conhecido como Chico Alfredo, numa propriedade de um hectare na zona rural de General Sampaio. Ele faz parte do Assentamento Ramalhete, que ocupa uma área de 970 hectares. Os 32 ocupantes possuem dois hectares, um para a moradia e outro para o plantio. O restante é dividido coletivamente. "A gente planta em quantidades mínimas. O objetivo é consumir tudo. Não se perde nada".

A importância da agricultura familiar é inconteste. A Organização das Nações Unidas (ONU) definiu 2014 como Ano Internacional da Agricultura Familiar. Segundo o secretário-geral da entidade, Ban Ki-moon, estudo recente em 93 países aponta que as produções familiares representam mais de 90% de todas as produções agrícolas. Também indicou que os agricultores familiares atuam na maior parte das terras agrícolas do mundo, incluindo até 85% na Ásia e 63% na Europa.

Chico Alfredo faz parte desse imenso exército destacado pelo secretário-geral da ONU: "Zelar pelos alimentos é uma obrigação de todos. Por isso, quando cultivamos além da nossa capacidade, é porque temos previsão de venda para os excedentes junto à própria comunidade ou aos programas de merenda escolar da Prefeitura e do Governo do Estado. Eu me recordo, quando criança, que meu pai, certa vez, plantou uma imensidão nas suas terras. Saiu para vender na cidade. Não encontrou quem comprasse e perdeu tudo. Naquela época, ele não tinha acesso às informações que temos. Se fosse hoje, isso não aconteceria".

Na agricultura familiar, por, dentre outros motivos, ser praticada em pequena escala, não se usa agrotóxico nem se prepara o solo com queimadas. "Aqui tudo é orgânico. A gente utiliza óleo de cozinha com detergente para fazer um defensivo natural que afasta a mosca branca e a cochonilha, duas pragas que atacam as plantações. O óleo tem a função de fixar o detergente na planta. Do contrário, uma chuva poderia levar o defensivo", diz.

Na área coletiva do assentamento, todos trabalham conjuntamente, se revezando nas atividades do plantio, limpeza, remonte da cerca e conserto da estrada. De acordo com o técnico agropecuário da Secretaria de Agricultura, Geraldo Menezes da Silva, o projeto é em parceria com a Prefeitura e a Secretaria de Desenvolvimento Agrário (SDA).

"Os excedentes são adquiridos pela Prefeitura por meio do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), que os utiliza na merenda escolar. A produção deles é importante. Eles fazem um balancete ao final. Dividem o que lucram na área coletiva igualitariamente. Uma parte é usada para quitar o financiamento das terras e para bancar as despesas da associação que gerencia o projeto".

Ao contrário do que vimos na agricultura tradicional em relação ao tomate, não encontramos uma só unidade caída no chão. "Sabemos quando ele está perto de cair. Quando começa a dar indício de que vai amarelar, é hora de colher. Se cair no solo, não se perde. Fica para o nosso próprio consumo", diz Geraldo.

Banana

Com a banana, o cuidado é o mesmo. São apenas seis pés. "Em fevereiro último, completou um ano que foi plantada e já deu um cacho. Nos não perdemos uma só bananinha. Comemos tudo". Em relação ao mamão, Chico Alfredo garante que somente a "força do terreno" é capaz de proporcionar um fruto de boa qualidade.

"Da mesma forma que as demais culturas, também não perdemos nada. Quando o fruto começa a raiar (parecer umas pintas) a gente tira do pé. Para tal, é preciso ficar olhando todos os dias. Se passar do ponto, pode cair. Quando raramente isso acontece e o fruto se machuca, a gente dá para as galinhas".


Veículo: Diário do Nordeste - CE

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