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13/12/2010 12:21 - "Sustentabilidade é a prioridade do mundo"

Heni Ozi Cukier, principal executivo da Core Asset Management, defende o papel do mercado na elevação do status social de pessoas que vivem abaixo da linha da pobreza, é especializado na gestão de ativos socioambientais. Em entrevista, ele falou sobre o conceito de sustentabilidade no mundo corporativo, sobre a ascensão das classes C, D e E no País e sobre as novas perspectivas econômicas mundiais.

 

À frente da empresa especializada na gestão de ativos socioambientais, Cukier já trabalhou no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) e na Organização dos Estados Americanos (OEA). Atualmente, além de empresário, ele dá aulas do curso de Relações Internacionais da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM).

 

Cukier foi entrevistado no programa "Panorama do Brasil", da TVB, pelo jornalista Roberto Müller e pela diretora de Redação do DCI, Márcia Raposo. A seguir, os principais trechos da entrevista.

 

Roberto Müller: O que você faz, e como está vendo os avanços das preocupações ambientais e sociais no Brasil e no mundo?

Heni Ozi Cukier: As questões socioambientais, hoje, são o maior problema do mundo. A questão da sustentabilidade e das mudanças climáticas é o maior desafio que existe na política externa mundial, por exemplo. Elas vão pautar tudo o que vai acontecer nos próximos anos. Na verdade, estamos passando por uma grande transformação e essas questões são essenciais. Eu voltei para o Brasil e decidi montar um negócio nesse segmento porque eu acredito que isso é o futuro, um futuro que já está acontecendo aqui. Minha empresa é gestora de ativos socioambientais, e hoje no mundo não existem mais somente os ativos financeiros, há também os ativos sociais e ambientais. Uma empresa de refrigerante, por exemplo, ela não consegue produzir o refrigerante sem a água, que é um ativo ambiental. Então, ela se deu conta de que precisa cuidar daquilo. Da mesma maneira que ela cuida de seus ativos financeiros com alguém especializado, ela precisa de alguém especializado para cuidar de seus ativos ambientais. Ou sociais. Eis o que a Core Social Asset Management, que é uma gestora de ativos socioambientais, faz: consultoria, gestão e comunicação. Nós cuidamos, administramos esses ativos, direcionamos essa verba, criamos projetos, enfim, políticas e estratégias de responsabilidade social e sustentabilidade para empresas.

 

Márcia Raposo: Como você aplica os conceitos de segurança e de defesa, que aprendeu na ONU, dentro de uma corporação capitalista?

Heni Ozi Cukier: A gente chama os problemas de segurança nacional ou de defesa de high politics, ou alta política, que é sempre a política mais difícil, a mais complicada, porque envolve interesses muito importantes para as nações. Quando você vai lidar com outros problemas que não são tão complicados, você tem uma facilidade, porque está acostumado a lidar com coisas bem mais complexas. Mas se engana quem acha que o problema da sustentabilidade não é tão complexo como os problemas de defesa, porque, hoje, resolvermos o problema, por exemplo, das mudanças climáticas, não é uma questão ambiental apenas: vai envolver a economia, a segurança nacional dos países envolvidos. Um mundo sem água é um mundo mais propício a conflitos. Ou seja, eu acho que o aprendizado que tive com as ciências políticas, e que ainda continuo tendo, está totalmente relacionado com essas questões.

 

Roberto Müller: Até recentemente, as pessoas achavam que a questão da sustentabilidade era uma coisa restrita a proteger o meio ambiente, sobretudo nos Estados Unidos. Isso passou a ser uma preocupação muito grande de ativistas, acionistas e membros de grandes fundos de investimento.

Heni Ozi Cukier: Às vezes a gente perde o foco ou a noção do que é a sustentabilidade como um todo. A sustentabilidade é um tripé, ela tem três partes: ambiental, social e econômica. Então, existe uma ênfase muito maior no lado ambiental, mas a gente não pode perder de vista os outros dois pontos, que são o social e o econômico - principalmente o econômico, quando se fala em empresa. Não dá para dizer que a empresa vai sacrificar o seu ganho ou o seu lucro para só se preocupar com o ambiental. A busca pela sustentabilidade é a busca pelo equilíbrio. Hoje, é preciso buscar um equilíbrio e trazer isso como estratégia para dentro da empresa, ou seja, dentro do core business da empresa você tem que trazer conceitos de equilíbrio econômico, ambiental e social. Não é uma busca desenfreada só para um lado, nem só para o outro. Quando se coloca o exemplo dos acionistas, é uma maneira de os indivíduos participarem e ajudarem a sociedade a encontrar um mundo mais equilibrado, através da sua participação dentro das governanças, do board e dos conselhos de votação nas empresas. Isso é uma força que vai influenciar para onde a empresa vai caminhar. A empresa que é sustentável, no sentido pleno, ela vai durar mais e vai lucrar mais. Então sustentabilidade não é um obstáculo, um problema ou uma chatice com que a empresa vai ter de se preocupar, mas uma oportunidade de ganhar dinheiro.

 

Márcia Raposo: Dilma ganhou as eleições com uma diferença de 10% a 12 %. Ela tem o discurso social e preocupado com o ingresso na sociedade de pessoas que vivem abaixo da linha de pobreza, mas é justamente a área mais básica do Brasil -a dos produtores de alimentos- que a rejeita. Na sua visão, como isso pode se resolver?

Heni Ozi Cukier: Eu acho que, antes de qualquer outra coisa, ela foi eleita. Por mais que tenha havido uma oposição, e pessoas que não votaram nela, é uma democracia e ela vai governar. Claro que se houver algum deslize ali, essas pessoas que votaram contra ela vão ser uma voz mais exaltada ou vão tentar demonstrar sua oposição às políticas dela. É interessante essa faixa que você colocou porque essas pessoas são as que estão preocupadas com o desenvolvimento. A discussão nessas regiões do Brasil se dá entre preservar ou desenvolver: ou a gente expande as nossas fronteiras agrícolas ou as preserva. O discurso ambientalista diz que a gente tem que preservar, o desenvolvimentista, que temos de crescer, expandir. O desenvolvimento sustentável vai buscar um equilíbrio, mas ele não trata só de preservar ou só de desenvolver: ele é o ponto de encontro entre os dois.

 

Roberto Müller: E essa atividade, de cuidar do meio ambiente e do lado social, pode dar lucro?

Heni Ozi Cukier: Pode e deve. Se ela der lucro, mais pessoas vão estar envolvidas nesse tipo de atividade, mais empresas vão estar preocupadas em fazer isso. Hoje, há três razões que levam empresas a fazer o bem: ou por uma questão ética (seus executivos têm uma postura muito firme), ou por pressão de regulamentação (o governo cria algum tipo de lei), ou por oportunidades. Este terceiro pilar é importante: se as empresas começarem a vislumbrar oportunidades de ganhar dinheiro com responsabilidade social, nós simplesmente vamos ter todas as empresas partindo para isso. Um exemplo são os mercados na base da pirâmide, que é a faixa da população -uma população composta de quatro bilhões de pessoas no mundo- mais pobre. Se você expande o mercado para lá, está ajudando as pessoas da pobreza, e lucrando. Ou seja, é possível juntar os dois mundos: ganhar dinheiro e fazer o bem.

 

Roberto Müller: Como é que se pode ganhar dinheiro explorando a produção de bens e serviços voltados para a população que vive abaixo da linha de pobreza?

Heni Ozi Cukier: Tem uma vertente nova de pensamento no mundo que está unindo a ideia de trazer os conhecimentos do setor privado e agregá-los para resolver os problemas sociais. Hoje, um dos maiores problemas que se tem no mundo é a pobreza. Para erradicá-la, a gente precisa levar desenvolvimento para as pessoas pobres. Existem quatro bilhões de pessoas que formam a base da pirâmide: são as pessoas mais pobres. Para levar riqueza a essas pessoas, é preciso expandir o mercado, incluir essas pessoas na economia. Para isso, você tem que oferecer serviços e produtos para elas. Quando faz isso, você as insere na economia formal. Elas arrumam emprego, têm acesso a ferramentas, serviços e produtos que as ajudam a se tornar microempreendedores. Você tira delas aquela barreira que impede que elas saiam da linha de pobreza. Por exemplo, você tem alguém da camada mais pobre que tem seu negócio, mas não tem como se comunicar, não tem como oferecer seus serviços. Quando esta pessoa tem acesso a um telefone celular, ela pode se tornar um microempreendedor e sair daquela condição.

 

Roberto Müller: Como se faz isso?

Heni Ozi Cukier: Você entra nesse mercado e cria produtos específicos para a necessidade dessa comunidade. Não pode ser um celular superfantasioso e cheio de recursos porque vai custar muito caro. O primeiro mito que se tem que quebrar é que essa faixa da população não tem dinheiro: sim, eles têm dinheiro. O segundo mito é que eles não dão valor à marca e aos produtos de boa qualidade: muito ao contrário, eles dão muito valor a esse tipo de coisa. Então, você cria produtos específicos para a necessidade daquela comunidade, com preços condizentes, e eles trabalham nisso. Tem um case na Índia, uma fábrica de iogurtes que foi criada. Quem trabalha nessa fábrica? As pessoas que vivem ali. Quem vende o iogurte? São as mulheres da comunidade, que saem com seus carrinhos. Toda essa operação dá lucro, todo mundo ganha dinheiro, e hoje já temos mais de 50 fabriquinhas dessas funcionando pela Índia. Este é um modelo de negócio criado por um estudioso na área de administração de empresas, nos Estados Unidos, um indiano que diz que a solução da pobreza no mundo se faz através da expansão dos mercados para as pessoas mais pobres. Mas esta não é a única maneira. Hoje você vê empresas enormes, como a GE ou a PepsiCo, que encontraram um ponto de convergência entre os seus interesses e os da sociedade. Elas começaram a perceber que dá para fazer o bem e ganhar dinheiro. E existem outras empresas que só estão ganhando dinheiro porque estão fazendo o bem. Empresas que já nascem com características de produtos ou serviços sociais e responsáveis, como na área de produtos orgânicos.

 

Márcia Raposo: O Brasil tem uma coisa curiosa a que os grandes especialistas de economia do mundo estão prestando atenção: a ascensão das classes C, D e E. Essa ascensão, que é atribuída aos dois últimos governos, tem a ver com isso? Veja, por exemplo, a Cyrela, que é uma empresa de um fundo de pensão norte-americano. A Cyrela criou uma segunda marca para fazer casas populares, que estão vendendo mais que "pãozinho quente em padaria", como eles dizem. Eles foram para essa faixa cujas pessoas não tinham casa e às vezes nem comida. Isso está acontecendo no Brasil?

Heni Ozi Cukier: Sem dúvida. Inclusive, no livro do indiano que é precursor dessa idéia tem um capítulo inteiro que fala sobre o Brasil. A telefonia móvel no País é um exemplo disso: estamos com quase 190 milhões de celulares. Com isso, você está possibilitando que as pessoas se tornem microempreendedores, que elas se comuniquem, que tenham acesso à informação - a gente vive na era da informação: se essas pessoas não tiverem acesso a isso, elas não vão sair da pobreza. A construção também. Enfim, isso já está acontecendo no Brasil, mas há espaço para muito mais. Há ainda muitas necessidades nessas comunidades, nessas classes, de produtos e serviços que não chegam até elas. O potencial é muito grande.

 

Márcia Raposo: Parece-me que o indutor dessa situação é o Estado, que faz com que as empresas vão atrás. Você acha que agora há um espaço para as empresas irem sozinhas, sem que o governo seja o indutor?

Heni Ozi Cukier: Acho que sim. O mercado brasileiro é imenso, o que falta é uma mudança do empresário brasileiro para ele perceber o tamanho da oportunidade que a gente tem aqui. Então, é muito mais uma questão de mudança de visão, de paradigmas, de expandir o horizonte e ver o que está acontecendo no mundo, e adotar isso.

 

Roberto Müller: Há quase um consenso quanto ao fato de que o que puxa o desenvolvimento é o crédito. Como o crédito pode ser abrigado sob esse manto virtuoso?

Heni Ozi Cukier: O crédito é muito importante, mas a gente tem que conseguir criar crédito de uma maneira responsável, consciente. Não adianta todo mundo começar a se endividar. No caso da Índia, do banco dos pobres do Muhammad Yunus, ele conseguiu criar um mecanismo pelo qual o superendividamento não acontecia, pois eram pequenos empréstimos feitos sempre à mulher, sendo ela a mais responsável. Dentro da cultura, ele achou o mecanismo de dar crédito e manter isso de uma forma consciente. Nós temos que achar a nossa maneira de dar crédito sem criar superendividamento ou outros problemas para as classes mais pobres.

 

Márcia Raposo: Você acha que há no País um excesso de crédito induzido pelo Estado? O Brasil corre o risco de uma bolha?

Heni Ozi Cukier: Acho que sim. Hoje, isso é um problema no Brasil. A gente precisa atentar para o que está acontecendo, não é só desenvolver de qualquer maneira. Precisamos cortar nossos gastos, o governo precisa controlar os dele. A gente está chegando a uma situação saturada. Tivemos anos bons de economia mundial que nos ajudaram a não pensar nisso, mas isso não é sustentável. A gente precisa olhar de uma forma mais equilibrada, reequilibrar as contas, parar de gastar tanto. O governo não pode gastar tanto com uma máquina tão ineficiente e tão inchada, a carga tributária não ajuda os empresários do Brasil a se desenvolverem e melhorarem. Estamos criando uma situação bastante insustentável.

 

Roberto Müller: Voltando à questão do empréstimo para os pobres, é verdade que tudo parte da descoberta de que os pobres são adimplentes, melhores pagadores do que a classe média e os ricos?

Heni Ozi Cukier: São, porque para eles aquele bem adquirido não tem só um significado de utilidade. Muitas vezes, é um outro status na vida dele. Para um pobre, ter uma geladeira carrega outro significado: é importante aquilo, por isso ele paga em dia. Este, pelo menos, é o exemplo que vemos nos modelos de microcrédito que há pelo mundo. Eu diria que, sem dúvida, [a adimplência] é uma característica das classes mais baixas, que é um dos outros mitos que as pessoas não entendem. Não fazem negócio porque acham que o pobre não vai pagar, porque não dá valor à marca, não tem dinheiro. Ao contrário, tem dinheiro e valoriza a marca, às vezes muito mais do que as classes mais altas.

 

Veículo: DCI

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