Economia
19/10/2009 10:43 - Analistas temem impacto de emprego e renda sobre inflação
Conjuntura: Mercado de trabalho pode afetar preços antes do que a ocupação de capacidade na indústria
O mercado de trabalho dá sinais de aquecimento que devem se intensificar ao longo de 2010, podendo se tornar uma fonte de pressão inflacionária antes do que a ocupação da capacidade instalada na indústria, acreditam alguns analistas. A despeito da crise, a taxa de desemprego nas seis principais regiões metropolitanas subiu pouco em 2009 - ela deve ficar, em média, entre 8,1% e 8,5% neste ano, pouco acima dos 7,9% de 2008, o nível mais baixo da série histórica iniciada em 2002. Em 2010, algumas previsões apontam para uma desocupação média na casa de 7,5%. Para completar o quadro, a geração de postos de trabalho formais voltou a ser significativa e categorias importantes têm obtido reajustes salariais bem acima da inflação.
Um estudo do Santander mostra que a crise global teve um impacto bastante assimétrico na utilização da capacidade da indústria e no mercado de trabalho. No pior momento, a ociosidade na indústria de transformação chegou a níveis que não eram observados desde o fim de 2003, atingindo agora números próximos aos do início de 2005. A taxa de desemprego, por sua vez, avançou para patamares do fim de 2007 e já está perto do nível registrado no começo de 2008. Em outras palavras, a folga no setor industrial é muito maior que aquela existente no mercado de trabalho, diz o economista Cristiano Souza, do Santander.
Ele acredita que a taxa de desemprego média neste ano deve ficar em 8,1%, caindo para 7,4% no ano que vem, níveis bastante baixos para os padrões históricos brasileiros. Em relatório de inflação do ano passado, o Banco Central (BC) estimou que, no Brasil, a controvertida "taxa natural de desemprego" (aquela que não acelera a inflação) oscila entre 7,4% e 8,5%, dependendo da metodologia adotada.
O economista-chefe do JP Morgan, Fábio Akira, compartilha da avaliação de Souza. Ele diz que a taxa de desemprego subiu pouco, apesar do impacto da crise. "O mercado de trabalho não sofreu quase nada perto do que ocorreu com a utilização de capacidade na indústria."
Akira chama a atenção para os ganhos salariais obtidos recentemente por algumas categorias de trabalhadores, que em alguns casos superaram a inflação em 5%, como os metalúrgicos da Honda, em Sumaré, e da Toyota, em Indaiatuba. Ele também nota que a geração de empregos se acelerou. Números do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) de setembro mostraram a criação de 252,6 mil vagas formais, das quais 123,3 mil na indústria. Para Akira, esse mercado de trabalho robusto será fonte de preocupação inflacionária adiante, num quadro em que há uma profusão de estímulos na economia - os juros estão baixos, os gastos públicos continuam elevados, a oferta de crédito se amplia e haverá alguma recuperação da economia global.
O aquecimento do mercado de trabalho tende a manter pressionada a inflação de serviços (como cabeleireiro, mensalidades escolares, conserto de automóveis, aluguel, condomínio), fortemente ligada ao comportamento do emprego e da renda. O economista Bernardo Wjuniski, da Tendências Consultoria Integrada, estima que as cotações de serviços no Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) devem subir 6,7% neste ano e 6,8% no próximo. São números bem acima do índice "cheio", que ele projeta em 4,2% para 2009 e também para 2010. "Ao lado da expansão fiscal, o mercado de trabalho é o principal risco para a inflação em 2010", afirma ele, que vê os juros em alta a partir de setembro do ano que vem. Os preços administrados (como tarifas públicas) devem ajudar a segurar as cotações, avalia Wjuniski. Para Akira, o aumento dos juros ocorrerá muito antes, já em janeiro. Ele projeta um IPCA de 4,3% neste ano e de 4,7% no ano que vem, um pouco acima do centro da meta de inflação, de 4,5%.
No estudo, o Santander estima em que momento o nível de desemprego no Brasil pode atingir níveis que levem à aceleração da inflação, calculando uma taxa que tenta "limpar" os números do efeito desalento (o fenômeno pelo qual as pessoas deixam de procurar emprego). Se o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) em 2010 ficar em 4,8%, esse patamar tende a ser atingido no começo do ano seguinte - a taxa média de desemprego do primeiro trimestre de 2011 ficaria em 7,65%, próximo dos 7,61% de meados de 2008, quando a inflação já estava pressionada. Isso tenderia a fazer o Banco Central (BC) elevar os juros a partir de julho do ano que vem, já que há uma defasagem entre mudanças na política monetária e o seu efeito sobre a atividade econômica. Caso a economia cresça 5,5% no ano que vem, no entanto, a taxa de desocupação pode alcançar níveis inflacionários já no terceiro trimestre de 2010, levando o BC a agir antes, provavelmente no segundo trimestre.
Os analistas também acreditam numa alta forte da massa salarial em 2010, tanto pelo crescimento da ocupação quanto da renda. Wjuniski prevê aumento da massa de 4,8% acima da inflação e Souza, de 5%. Isso vai impulsionar o consumo das famílias e manter pressionados os preços de serviços.
Veículo: Valor Econômico
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