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14/04/2016 10:45 - No azul só em 2020

O Fundo Monetário Internacional (FMI) alertou ontem que a situação fiscal do Brasil está se deteriorando muito rápido. Na divulgação do seu relatório “Monitor Fiscal”, o organismo informou que, em um ano, o quadro mundial piorou, por causa de crescimento econômico menor que o esperado, aumento de dívidas e, no caso dos países emergentes, aumento de juros. Pelas previsões do Fundo, o Brasil só voltará a ter superávit primário (receitas menos despesas antes do pagamento dos juros da dívida) em 2020, mas a economia não será suficiente para fazer a dívida bruta do país parar de subir. Ela chegará quase 91,7% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2021.

O FMI estima que o Brasil terá déficits primários até 2019. O rombo nas contas públicas este ano deve representar 1,7% do PIB, caindo para 0,3% do PIB em 2019. Em 2020, o Brasil voltaria a ter superávit primário, de 0,9% do PIB, que subiria a 1,9% em 2021.

Vitor Gaspar, diretor de Assuntos Fiscais do FMI, afirmou que o Brasil está sofrendo a sua maior retração econômica em muito tempo e que a situação está preocupante. Ele lembrou que, nos anos 1990, o país conseguiu estabilização bem-sucedida com âncora fiscal forte.

— Na nossa visão, o Brasil se beneficiaria de ter um instrumento fiscal forte, confiável, que forneceria uma âncora que poderia ser referência para um conjunto de políticas monetária, fiscal e reformas estruturais.

Diante da dificuldade do governo de fazer o ajuste nas contas e com a recessão diminuindo a arrecadação de impostos, a dívida pública bruta dar um salto e passar de 63,3% do PIB em 2014 para 73,7% em um ano depois. A trajetória é crescente, e a dívida pública deverá chegar a 91,7% do PIB em 2021. Este ano, o Fundo estima em 76,6%.

A análise do Fundo alerta para o risco político do país: “O calendário eleitoral ou impasses políticos podem complicar a a implementação da política fiscal ou desencorajar uma atuação mais forte neste ano em uma série de países, incluindo economias avançadas (Austrália, Grécia, Estados Unidos), mercados emergentes (Brasil, África do Sul, Venezuela), e em países de baixa renda (Gana, Zâmbia)”.

O Fundo informa ainda que o programa de concessões do Brasil poderia ser acelerado, principalmente em infraestrutura, o que melhoraria a produtividade do país e estimularia o crescimento em momento de restrições orçamentárias.

A situação do Brasil é comum há países em desenvolvimento, por causa da queda nos preços das commodities (produtos básicos com cotação global, como soja, minério de ferro e petróleo) com impactos na receita orçamentária dos países, redução do crescimento, aumento da inflação em parte por causa da alta do dólar e juros maiores para frear a alta dos preços ao consumidor.

“Nos mercados emergentes e em desenvolvimento, a situação mais apertada das condições financeiras, mais voláteis, pode elevar significativamente o custo de juros justamente em um momento em que as necessidades de financiamento bruto estão aumentando. ”, informa a nota do FMI.

O documento também lista desafios para países ricos, que têm endividamento de mais de 100% do PIB e sofrem com economia fraca e o baixo investimento, e chama a atenção para o mercado imobiliário da China, que pode gerar riscos semelhantes aos vividos nos Estados Unidos em 2008, quando houve uma forte crise global após uma bolha imobiliária.

“Riscos fiscais estão aumentando em quase todo o mundo”, resume o documento.

O FMI também divulgou ontem seu relatório sobre a Estabilidade Financeira Mundial, no qual alerta que as empresas brasileiras ficam mais expostas à deterioração da situação global com a queda de atividade na China. O documento aponta que, neste cenário, pode haver reflexos no sistema financeiro nacional, até então saudável.

O FMI lista como problemas para aumentar a exposição das empresas brasileiras a prolongada recessão doméstica, a queda dos preços dos produtos exportados, e a piora do mercado financeiro, que afetam a saúde das empresas nacionais, começando a respingar nos balanços dos bancos, considerados sólidos. O documento lembra que o Brasil vive uma forte desaceleração do crédito nos últimos anos, piorando o cenário.

“Regionalmente, no entanto, as empresas brasileiras se destacam por sua maior alavancagem e seus custos de juros mais altos. A queda em suas rentabilidades tem sido mais acentuada”, afirma o documento.

Apesar disso, o estudo aponta que os bancos brasileiros estão bem provisionados para casos de aumento de calotes e que não há riscos de liquidez. O FMI lembra que as instituições financeiras brasileiras continuam a se basear fortemente em financiamento interno.

“No entanto, uma recessão prolongada, juntamente com maior taxas de juros, aumento do desemprego e queda dos lucros corporativos vão colocar pressão sobre o equilíbrio dos bancos”, diz o relatório, que já destaca alta de atrasos de pagamentos em financiamento agrícola, cheque especial e cartões de crédito.

O relatório de 118 páginas ainda lista o Brasil como um dos países afetados pela forte queda do preço do petróleo, que gerou retração de investimentos no país e tornou a Petrobras mais exposta a um grande endividamento. “No Brasil, por exemplo, o perfil adverso da dívida soberana, a pressão fiscal e a recessão têm contribuído para o aumento do spread (diferença entre taxas de captação de recursos e a dos empréstimos) do crédito da Petrobras”, afirma.

De maneira geral, o documento aponta que desde outubro aumentaram os riscos para a estabilidade financeira global. Nas economias desenvolvidas, isso ocorreu pela piora nas expectativas de crescimento, aumento das incertezas e a redução da confiança de empresários e consumidores. Se os problemas previstos pelo FMI se confirmarem, o crescimento global acumulado de agora a 2021 será 3,9% menor do que o estimado anteriormente pelo FMI.

A volatilidade dos mercados globais, principalmente por causa da queda dos preços dos petróleo e de outras matérias-primas, aumentou as incertezas, que cresceram com os riscos trazidos pela transição do modelo econômico chinês, até então muito dependente de investimentos externos para exportações e agora mais voltado para o consumo interno. E, neste cenário, os bancos tendem a ficar mais cautelosos, ampliando as exigências para quem precisa de financiamento.

 




Veículo: Jornal O Globo - RJ

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