Economia
20/08/2015 10:38 - Um socorro de até R$ 14 bilhões
BB e Caixa vão facilitar crédito à indústria. Analistas veem contradição com política de ajuste
Depois da Caixa, ontem foi a vez de o Banco do Brasil anunciar uma linha de crédito em condições especiais para o setor automotivo. As facilidades poderão ser estendidas a outros segmentos e, juntos, BB e Caixa vão liberar até R$ 14 bilhões. O ministro Levy disse que as medidas não terão impacto fiscal, mas especialistas criticaram a estratégia e veem efeitos indiretos nas contas públicas. O setor automotivo foi o que mais demitiu em junho, com 35 mil cortes.
Um dia depois da Caixa Econômica Federal, foi a vez de o Banco do Brasil anunciar linhas de crédito especiais para empresas de diferentes setores, que estão com dificuldades para obter financiamento para capital de giro. Em acordo já negociado com o BB, a indústria automotiva (montadoras, fabricantes de autopeças e revendedoras) contará com R$ 3,1 bilhões, que poderão ser desembolsados até o fim do ano. De acordo com o presidente do banco, Alexandre Abreu, existem cerca de R$ 9 bilhões disponíveis no programa, que deverá se estender a “uma ampla gama de setores produtivos”. Se forem considerados os R$ 5 bilhões do programa anunciado pela Caixa na terça-feira, o total de recursos dos dois bancos públicos colocados para irrigar o crédito das empresas chega a R$ 14 bilhões. Caso sejam efetivamente contratados, esse montante corresponderá a desembolsos diários da ordem de R$ 138,6 milhões até 30 de dezembro (são 101 dias úteis de hoje até essa data).
Adotadas para tentar reativar a economia, as medidas foram duramente criticadas por analistas, que viram nelas uma recaída do governo nas ações paliativas de estímulo ao consumo que marcaram o primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff, além de um contrassenso diante do ajuste fiscal que o governo, a duras penas, tenta implementar. A utilização dos bancos públicos como agentes de fomento da atividade econômica, junto com rumores de aumento da tributação do setor, derrubaram as ações do setor bancário. Os papéis preferenciais (PN, sem direito a voto) do Itaú Unibanco recuaram 2,04%, e os do Bradesco tiveram queda de 2,72%. No caso do Banco do Brasil, o tombo foi de 6,16%.
LEVY DESCARTA IMPACTO FISCAL
Alexandre Abreu explicou que, diferentemente da Caixa, que oferece taxas de juros mais baixas às empresas que se comprometem a não demitir funcionários, no BB não haverá essa diferenciação, já que o banco não dispõe de meios para fiscalizar as empresas. Na prática, a Caixa também não dispõe de tais mecanismos. O BB já teria “mapeado” 354 grupos empresariais com operações no país que podem ser contemplados pelo programa.
— Não vamos antecipar com quais empresas estamos negociando, porque certamente outros bancos devem ter iniciativa parecida. Mas posso garantir que são os principais setores da economia — disse o executivo.
Para Silvio Campos Neto, economista da Tendências Consultoria, o crédito mais barato via BB e Caixa é uma “sinalização contraditória de Brasília". Isso porque, enquanto o Banco Central eleva os juros, desestimulando o consumo, e o próprio governo restringe o crédito para ajustar a economia e conter a inflação, os bancos públicos voltam a irrigar o mercado com dinheiro barato.
— Haverá despesa financeira, e alguém vai pagar esse subsídio, mesmo que uma parte dos recursos para os empréstimos seja captada no mercado (caso do BB). Como os bancos públicos são ligados ao governo, essa despesa deve ficar para o setor público, resultando em impacto fiscal — adverte.
Segundo Campos Neto, fica a impressão de que “o governo não foi curado de querer estimular a economia na base do empurrão”. Além disso, diz, não adianta melhorar as condições de crédito de alguns setores, já que o contexto geral é de ajuste. Ele destaca que os cidadãos estão readequando seu orçamento, cortando despesas, adquirindo menos bens duráveis, entre eles automóveis, e, portanto, há menos demanda por produtos.
Outro ponto frágil dessa estratégia, em sua visão, é a contrapartida de não demitir para se ter acesso a linhas mais baratas, como na Caixa. Pois, além de não dispor de meios para fiscalizar esse compromisso, o governo acaba criando mais burocracia, o que aumenta sua ineficiência.
Ao ser perguntado sobre os danos que o aumento dos créditos dos bancos públicos poderiam causar ao ajuste das contas públicas, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, disse que não haverá impacto fiscal:
— A maior parte são linhas de mercado. É uma operação mais comercial, um arranjo que não tem maiores riscos, pois pressupõe o compromisso do contrato das montadoras. É uma coisa absolutamente normal. Quando você é fornecedor de uma empresa grande, você pode usar recebíveis, a garantia que a empresa grande dá com aquele contrato, para melhorar sua qualidade de crédito. É isso, é um arranjo perfeitamente comercial.
Sobre o argumento de que, ao beneficiar apenas alguns setores, a medida iria contra o princípio da horizontalidade (tributação e medidas que são aplicadas a todos os setores, sem escolher determinado segmento para ser objeto da política), Levy afirmou:
— No caso não, porque você está levando em conta a força e a qualidade de crédito dessas companhias. Na verdade, isso é arranjo que os bancos fazem todos os dias, com os fornecedores.
Segundo o presidente do BB, o objetivo do pacote ao setor automotivo é ajudar montadoras e fabricantes de peças a pagar dívidas, atenuando as dificuldades do segmento. A indústria automotiva enfrenta forte queda nas vendas e vem recorrendo a suspensões de produção e a demissões para ajustar seus estoques.
Para Miriam Belchior, presidente da Caixa, as medidas respondem ao cenário atual do país.
— Estamos em um momento de travessia. Além de medidas de ajuste, temos de ter condição de atravessar esse período... Nós bancos fomos chamados — disse a presidente a Caixa, ao anunciar a linha de crédito para montadoras.
No caso das autopeças, por exemplo, os empréstimos do BB serão concedidos por meio de antecipação de recebíveis, tendo como garantia o próprio contrato de fornecimento de peças às montadoras, explicou o vice-presidente de controle de riscos do BB, Walter Malieni.
— Elegemos 26 empresas âncoras, que devem fornecer a programação de encomendas para cada parceiro. Assim, poderemos conceder o crédito e diluir o risco desse financiamento. Essas âncoras serão fiadoras das empresas menores — explicou Malieni, acrescentando que, com o risco menor, as taxas de juros serão “mais competitivas”.
Ele informou ainda que o limite máximo do BB para a exposição de sua carteira de empréstimos a conglomerados foi elevada em R$ 15 bilhões. Outra diferença em relação ao pacote da Caixa, destacou o presidente do BB, é que os recursos são oriundos de captações no mercado, e não de fundos como o FAT e o BNDES.
Outra medida anunciada ontem pelo BB foi a redução da burocracia na concessão de financiamentos à compra de máquinas agrícolas e caminhões. O processo de concessão do crédito deve cair para 14 dias. Antes, chegava a 57 dias.
Veículo: Jornal O Globo - RJ
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