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12/02/2015 10:35 - Com alta dos juros e inflação, comércio encolhe e corta gastos

Especializada no comércio de roupas e acessórios femininos, a rede mineira K9 suspendeu investimento de quase R$ 3 milhões na reforma de suas nove lojas em Belo Horizonte. “Cada projeto custaria, em média, R$ 300 mil”, conta o diretor comercial da empresa, Ânderson Borges. A decisão ilustra bem os efeitos colaterais provocados pela desaceleração do setor. Os resultados de três pesquisas, divulgadas ontem, revelam que o comércio encolheu no ano passado e sugerem um 2015 cheio de turbulências, com grande risco de o varejo amargar aumento da inadimplência, optar pela suspensão ou cancelamento de aportes financeiros e eliminar empregos.

Na capital mineira, onde o setor tem um grande peso na economia, o volume de vendas em 2014 foi o menor dos últimos oito anos, com alta de apenas 2,08%, segundo a Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL-BH). Foi o pior desempenho desde 2007. Para 2015, a tendência é de um percentual ainda menor. A instituição prevê crescimento modesto dos negócios, entre 1% e 1,5%. Vale lembrar que há possibilidade de a estimativa ser revista para baixo nos próximos meses, como ocorreu no ano passado. Em janeiro de 2014, a entidade havia estimado avanço de 2,5% das vendas e reduziu o índice para 2% ao fim do primeiro semestre.

Na mesma toada, pesquisa também divulgada ontem pelo Sindicato do Comércio Lojista (Sindlojas-BH) revelou que 69% dos empresários apuraram queda nas vendas em 2014. Para este ano, 93% estão pessimistas com o caixa – o percentual é a soma dos 12% que classificaram o grau de confiança como muito baixo, dos 43% que o taxaram como baixo e dos 38% que optaram pela resposta regular. “A luz vermelha ascendeu e deverão ocorrer demissões no setor. Não há confiança dos lojistas. Esperamos um péssimo ano”, lamentou Nadim Donato, presidente do Sindilojas-BH e sócio da Enxovais Donato e do Café do Cine Brasil.

Concorda com ele o presidente da CDL-BH, Bruno Falci, um dos donos das Casas Falci: “Os aumentos no nível de preços e na taxa básica de juros foram responsáveis pelo menor crescimento do consumo em 2014”. A inflação pressiona o bolso do consumidor. O Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), indicador oficial do custo de vida no país, calculado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), avançou 1,24% em janeiro, o maior percentual desde fevereiro de 2003 (1,57%). No acumulado dos últimos 12 meses, está em 7,14%, acima do teto da meta da inflação imposta pela União (6,5%).

Já a taxa Selic, que remunera os títulos do governo negociados no mercado financeiro e serve de referência para os empréstimos dos bancos e do comércio, atingiu 12,25% em janeiro. Em outubro de 2012, na menor média da série histórica, o indicador era de 7,25%. O resultado da combinação entre a elevação dos preços e a escalada dos juros é o recuo no poder de compra dos consumidores. As vendas caem e a inadimplência sobe.

A CDL-BH e o Sindilojas não divulgaram o volume de vendas de janeiro, mas a CDL-BH já apurou que o total de registros no Serviço de Proteção ao Crédito (SPC) subiu 0,28% no comparativo com igual período de 2014. Ante dezembro de 2014, houve aumento de 0,56%.

Para não se endividarem e correrem o risco de engrossar a lista dos maus pagadores, muitos consumidores preferem adiar a compra de mercadorias e serviços. Foi o caso da auxiliar de departamento pessoal Patrícia Leal, que pretendia viajar há alguns meses, mas optou por adiar as férias. “Justamente porque o salário não acompanha o aumento dos preços. O custo de vida está alto. Até que ponto pais de famílias e empresas aguentaram essa inflação?”, critica.

A redução nas vendas freia a expansão de empregos no comércio, tanto de vagas no quadro de pessoal efetivo, quanto no de oportunidades temporárias das empresas. No último trimestre do ano passado, por exemplo, a queda nas contratações para reforçar o atendimento durante o Natal despencou em cerca de 50% em relação ao mesmo período de 2013, segundo o presidente do Sindilojas. De acordo com a entidade, 88% dos lojistas não aumentaram o quadro de temporários, apesar da importância dos negócios motivados pela melhor data de faturamento do setor. Na K9, Ânderson Borges calcula que a redução girou em torno de 30%. “Tudo isso é reflexo da situação política e econômica. (O que ocorre com o comércio) acaba se expandindo para todos os setores da economia. Para 2015, estou precavido”.

Fraco impulso em 2014


Nem mesmo a Copa do Mundo e as eleições federais e estaduais foram capazes de impulsionar as vendas de 2014, seja no Brasil, seja no comércio de Belo Horizonte. Na capital mineira, em consulta aos seus associados, o Sindliojas verificou que 87% dos empresários consideraram piores os negócios fechados durante o torneio mundial de futebol, em comparação aqueles feitos no mesmo período de 2013. Em relação às eleições, o estudo apurou que 81% registraram queda no faturamento.

“Os turistas que vieram ver os jogos em Belo Horizonte não gastaram muito. Os setores que faturaram foram hotéis e bares e restaurantes”, avaliou o presidente da entidade, Nadim Donato, acrescentando que, ainda assim, os empreendimentos que se deram bem estão concentrados, sobretudo, na região da Savassi, zona nobre de BH. Ainda assim, a região é um exemplo de como o comércio na capital não anda bem.

A quantidade de lojas fechadas na área nos últimos anos assusta quem conheceu a Savassi em seus áureos tempos. Desde 2010, quando começou a última grande reforma paisagística na região, muitos lojistas encerraram as atividades, alegando queda nas vendas em razão da diminuição do número de vagas de estacionamento para veículos e da concorrência com os shopping centers.

Black Friday

A promoção originada nos Estados Unidos e “importada” por vários países amenizou as perdas de comerciantes da Savassi e de outros endereços de BH, mas também não foi suficiente para que o resultado de 2014 superasse o de 2013. Para 79% dos entrevistados pelo Sindilojas, as vendas com a promoção foram melhores. O presidente da entidade, contudo, defende uma discussão sobre a possibilidade de a Black Friday brasileira ser transferida para depois do Natal.

“A promoção (que ocorre em novembro) antecipou as vendas do Natal. É uma promoção inconsistente. Nos Estados Unidos, ela ocorre depois da ação de graças. Lá, o comércio faz promoção em parceria com a indústria, que entrega os produtos a preços mais baratos”.

Alta de 2,2% no Brasil


A situação do comércio também é preocupante no restante do país, como mostrou a Pesquisa Mensal do Comércio relativa a 2014, divulgada ontem, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A evolução modesta de 2,2% das vendas no Brasil em 2014 foi a menor desde 2003, quando houve retração de 3,7%. O resultado fo,i quase a metade do apurado em 2013, quando ocorreu alta de 4,3%. Em Minas Gerais, o crescimento anual foi mais baixo: 2,6%. O IBGE destaca que o aumento dos preços foi um fatores para a desaceleração do setor em nível nacional.

Com destaque, as vendas do grupo composto por hipermercados, supermercados, produtos alimentícios, bebidas e fumo, tiveram alta de 1,3%. O declínio da taxa de crescimento em relação ao registrado no ano passado, quando o aumento foi de 1,9% em relação a 2012, pode ser explicada, de acordo com os técnicos do IBGE, pela desaceleração do ritmo de expansão da massa dos rendimentos da população. A soma dos rendimentos variou 1,4% em 2014, ante 2,4% em 2013, segundo a Pesquisa Mensal de Emprego, também produzida pelo instituto. (PHL)




Veículo: Estado de Minas

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