Economia
23/07/2012 08:04 - Escalada de aumentos acende sinal de alerta
Alta de 0,33% na prévia da inflação medida pelo IPCA-15 deste mês acende o sinal amarelo. Se escalada de aumentos continuar, cortes nos juros ficam comprometidos
A inflação dos primeiros 15 dias do mês ficou acima das apostas mais pessimistas do mercado brasileiro. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA-15), que mediu a variação de preços entre 15 junho e 15 de julho, ficou em 0,33%, quando a expectativa era de que chegasse no máximo a 0,25%. A surpresa negativa ficou por conta dos reajustes no grupo despesas pessoais, que registrou alta de 0,92% em julho ante 0,34% em junho. O grupo alimentação e bebidas também mostrou viés de alta, saindo de 0,66% em junho para 0,88% em julho. Com isso, no acumulado de 12 meses, o indicador saiu de 5% para 5,24%, interrompendo uma sequência de nove reduções consecutivas. O resultado não deve impedir que o Banco Central (BC) volte a cortar os juros básicos da economia (Selic) na próxima reunião do Conselho de Política Monetária (Copom), mas coloca em dúvida novos cortes ainda este ano.
Os vilões da alta de preços no período foram tomate – que já tinha subido 19,48% em junho e agora teve correção de mais 29,30% – e serviço de empregados domésticos, que registrou alta de 1,37% em julho contra 0,60% no mês anterior. Juntos, esses dois itens responderam pelos maiores impactos individuais no último IPCA-15, com 0,05 ponto percentual cada. O resultado, segundo André Perfeito, economista de macroeconomia da Gradual Investimentos, é fruto de dois movimentos. Em primeiro lugar, a significativa elevação de preços no grupo alimentação, que se deve a um choque de oferta de bens agrícolas, e o aumento dos custos dos serviços domésticos, decorrente da retração no desemprego.
De acordo com o IBGE, o clima adverso prejudicou a lavoura de diversos produtos. Por isso, além do tomate, em função do clima, outros alimentos tiveram aumentos expressivos. Foi o que ocorreu com a cenoura (de -1,11% para 13,63%) e a batata inglesa (de 6,70% para 11,78%). Por outro lado, também por conta do clima, no mercado internacional, os preços da soja e do trigo dispararam. Com isso, o nosso pão francês de cada dia apresentou variação de 1,67% em julho contra 0,14% em junho.
Para Luiz Roberto Cunha, professor de economia da PUC Rio, os reajustes no item alimentação já eram esperados, mas a elevação dos preços dos serviços não. Mesmo assim, ele acredita que a alta é pontual e não muda o quadro de tendência de redução na Selic. “No conjunto, o choque aconteceu por causa de um problema de oferta e isso não vai influenciar na taxa de juros. Não dá para subir a Selic para controlar o preço do tomate”, resume André Perfeito.
“Estagflação?”
Na Tendências Consultoria, porém, a interpretação é diferente. Thiago Curado, analista da empresa, já tem dúvidas se a Selic cairá abaixo de 7,5% ainda este ano. A preocupação de alguns analistas é de que o Brasil viva uma “estagflação”: uma mistura de economia fraca com preços em escalada. Ao contrário do restante do mundo, que cresce pouco mas também vê o custo de vida ficar mais ameno, no país, apesar da fraqueza econômica — o mercado prevê crescimento de apenas 1,9% para o ano —, a carestia não cede, sobretudo em serviços e alimentos. Miguel Daoud, sócio-diretor da Global Finantial Advisor, acredita que será difícil para o BC dar continuidade à trajetória de queda de juros num quadro de inflação em alta. “O pior cenário seria o de queda no PIB e elevação nos preços, o que nos jogaria para a estagflação.”
Economistas do governo tentam ser otimistas, descartam essa possibilidade e colocam a culpa da maior pressão sobre o bolso do consumidor nas commodities, produtos básicos com cotação internacional, a exemplo do milho e do trigo que dispararam nos últimos 30 dias em função da quebra de safra nos Estados Unidos. “A alta desses produtos começa a se transferir para alimentos e para o IPCA”, observou Daniel Moreli, estrategista para mercados do banco Indusval e Partners. “Essa pressões trazem riscos para a inflação do ano, além das commodities, pode ser que haja um aumento nas tarifas de transporte e no preço da gasolina após as eleições.”
“Somente a elevação de preços das despesas pessoais e alimentação representaram 91% de toda a inflação do mês”, calcula Luís Otávio de Souza Leal, economista-chefe do banco ABC Brasil. Ainda para Leal, não há perspectiva de uma redução para o preço dos alimentos ainda neste mês e, somado a surpresas negativas, como os aumentos de aluguel, condomínio e empregados domésticos, o IPCA do mês deve bater em torno de 0,40%. Antes, a previsão era algo entre 0,25% e 0,30%. “Se essa projeção estiver correta, teremos uma reversão da tendência do acumulado em 12 meses também no IPCA, que passaria de 4,92% para 5,17%”, projetou. Para o fim do ano, o economista revisou sua estimativa de 4,95% para 5,10%.
Hora de esfriar o consumo
Com a economia se acelerando neste semestre, a própria atividade mais robusta deverá pressionar a meta de inflação também em 2013, alertou, ontem, em relatório, o Fundo Monetário Internacional (FMI). Para o organismo, o governo deveria começar a desmontar os estímulos dados ao consumo, substituindo-os por incentivos ao crescimento da poupança interna e investimentos.
O FMI comandado pela francesa Christine Lagarde, ainda acredita que a economia brasileira vai crescer mais de 4% no último trimestre do ano graças, principalmente, à forte demanda doméstica que vem se beneficiando do agressivo corte da taxa Selic, até o momento de 4,5 pontos percentuais, além do desempenho favorável do mercado de trabalho e do aumento da renda dos trabalhadores brasileiros.
“O ponto fundamental a ser observado é o momento de iniciar a normalização do ciclo para garantir que a inflação volte novamente para a meta entre 2013 e 2014”, diz o documento assinado pelo chefe da missão do FMI para o Brasil, Vikram Haksar. Para o FMI, a reversão do estímulo monetário neste e no próximo ano será essencial para manter a inflação no centro da meta em 2013, que é de 4,5%.
Para Newton Rosa, economista-chefe da Sul América Investimentos, o aviso do FMI já está mais do que claro para o Banco Central. “Na ata do Copom, o BC não deixou dúvidas de que o espaço que tem para continuar reduzindo os juros caiu drasticamente”, observou. E mesmo com as várias pressões inflacionárias se desenhando no horizonte, entre elas a alta das commodities no mercado internacional, Rosa não vê a inflação escapando da zona de tolerância em 2013. “ Pode ficar um pouco acima do centro da meta no ano que vem”, admitiu.
Mesmo levando em consideração vários aspectos positivos da economia brasileira, entre eles a robustez do sistema financeiro, o FMI destaca no relatório a falta de equilíbrio entre investimentos e o elevado nível de consumo, o que tem gerado um endividamento preocupante.
Com níveis de endividamento e inadimplência em alta, o Brasil precisa fazer mais para estimular a poupança de governo e consumidores e para encorajar o investimento dessa poupança, diz o documento. “O reequilíbrio da demanda do consumo para o investimento e as exportações líquidas ajudarão a garantir crescimento forte e equilibrado à frente e dar suporte à competitividade”, defende o FMI. Segundo o relatório, as taxas de investimento e poupança no Brasil ficam atrás dos seus pares no G-20. E isso ocorre mesmo quando a China é excluída da relação.
Veículo: O Estado de Minas
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