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24/10/2011 11:30 - Crise externa não assusta consumidor de baixa renda, dizem analistas

O agravamento da crise internacional deve ter efeito limitado sobre o consumo das classes de menor renda no Brasil. Na avaliação de empresários e analistas, enquanto as condições do mercado de trabalho permanecerem favoráveis, esses consumidores não desaparecerão das lojas, mesmo com a possível piora do cenário externo. Além disso, em janeiro do próximo ano as classes C, D e E serão beneficiadas pelo aumento de cerca de 14% no salário mínimo. Desse total, 7,5% representarão um aumento real de renda destinada ao consumo.

Nos últimos meses, a população de baixa renda já ganhou poder de compra pela forte geração de emprego e pelo aumento dos salários, passando a responder por 60% do consumo no país, segundo dados do instituto de pesquisas Data Popular. "A baixa renda não deixa de comprar por conta de crise. Ela só para de gastar quando vê o vizinho perder o emprego", diz Renato Meirelles, sócio do Data Popular.

A forma como a base da pirâmide social lida com o consumo, segundo Meirelles, é bastante distinta da verificada nas camadas sociais mais altas. "O noticiário impacta mais as classes A e B, ao passo que a baixa renda só se preocupa quando percebe o desemprego e a inflação baterem à porta", explica.

Enquanto a prestação couber no bolso, complementa o professor do Ibmec Felipe Lacerda, as vendas do varejo estarão garantidas. A teoria encontra base nos números do setor. O grupo Máquina de Vendas, que reúne as redes Ricardo Eletro, Insinuante, Citi Lar e Eletro Shopping, prevê aumentar em 26% seu faturamento em 2011, com as vendas subindo de R$ 5,7 bilhões em 2010 para R$ 7,2 bilhões neste ano. A projeção, que inclui o desempenho da Eletro Shopping, adquirida em julho, supera o crescimento médio da receita do setor de móveis e eletrodomésticos, de 16,2% nos 12 meses encerrados em agosto, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

"Não percebemos nenhuma mudança no consumo devido à crise e, pelo menos até o fim do ano, não esperamos influência negativa. É possível que, se não fosse pela crise, nossas vendas estivessem crescendo 3% ou 4% mais", supõe Ricardo Nunes, presidente do grupo Máquina de Vendas. Pelos seus cálculos, as vendas de fim de ano devem aumentar 5% em 2011 em relação ao ano anterior.

Sem revelar números, Ricardo Marques, coordenador-geral da Lojas Rabelo, também diz que o faturamento vem crescendo e não há indícios de mudança de trajetória. "Até agora, a crise não chegou a nós. Estamos até reforçando nossas unidades no interior, onde está concentrada a baixa renda."

É por isso que, para Lacerda, a retração de 2,3% no volume de vendas do comércio entre julho e agosto, constatada pelo IBGE, não pode ser vista como uma tendência. "Essa queda deve ser pontual. Tudo indica que as vendas continuarão aquecidas. O governo tem sinalizado que quer crescimento econômico, já até baixou juros." No fim de agosto, o Banco Central (BC) acabou com o ciclo de arrocho monetário ao reduzir a taxa básica de juros (Selic) em 0,5 ponto percentual, para 12% ao ano. Na semana passada, cortou a taxa em mais 0,5 ponto percentual.

O brasileiro, segundo o professor do Ibmec, é um dos poucos povos que aceitam pagar juros elevados para ter seus desejos atendidos. O comportamento é compreensível. Durante muitos anos, recorda o economista da Fundação Getulio Vargas (FGV) André Braz, grande parte das famílias brasileiras se viu podada em seu desejo de compra. "Agora, elas estão colocando em dia o consumo reprimido. São fartas as tentações na compra de eletrodomésticos, automóveis, viagens", exemplifica, acrescentando que o acesso ao crédito facilita as aquisições.

Por enquanto, a única mudança percebida pelo comércio no comportamento dos consumidores de menor poder aquisitivo foi o encurtamento nos prazos de financiamento. Dados da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (Fecomercio-SP) mostram que, na capital paulista, a parcela dos que se comprometeram com dívidas por mais de um ano caiu de 30% em agosto para 28,1% em setembro. "Na dúvida sobre o futuro, o consumidor prefere se comprometer por menos tempo com dívidas. Mas não deixa de comprar", diz Altamiro Carvalho, assessor técnico da Fecomercio-SP.

Para ele, é natural que em alguns momentos o comércio registre arrefecimento nas vendas, já que o ritmo de crescimento nos últimos meses tem sido forte. De janeiro a agosto, o setor acumulou expansão de 8,4% na comparação com o mesmo período de 2010, de acordo com dados do IBGE. O crescimento se dá sobre bases já altas, uma vez que em 2010 o varejo contabilizou aumento de 12,2%.

Além disso, Meirelles lembra que não são apenas os produtos que estão na mira da baixa renda. Os serviços também fazem parte da lista de desejos. "Não é à toa que a inflação de serviços está disparando", pontua. Os preços nesse setor vêm subindo num ritmo ao redor de 9% ao ano e, pelos cálculos da LCA Consultores, devem fechar 2011 com alta de 8,8%. Para 2012, a expectativa é de aumento de 8,3%, com a demanda sendo impulsionada pelo reajuste de cerca de 14% no salário mínimo.

"É típico do brasileiro contar com um dinheiro que ainda não está na carteira. Se ele fica sabendo que vai ter aumento, gasta por conta", observa Lacerda, acrescentando que o futuro reajuste no salário mínimo já está produzindo efeitos no consumo. "Como não há no país a cultura da educação financeira, também não existe a consciência de poupança", complementa.

Esse comportamento preocupa grande parte dos especialistas, que não descarta um aumento da inadimplência nos próximos meses. "Se a crise lá fora piorar e provocar desemprego no Brasil, os consumidores não conseguirão pagar suas dívidas", diz Lacerda.

Em setembro, 62,7% das famílias brasileiras com renda mensal de até dez salários mínimos estavam endividadas e 25,4% admitiam estar com contas em atraso e 8,6% afirmavam não ter condições de pagar, segundo dados da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). A parcela de endividados aumentou na comparação com setembro de 2010, quando o percentual era de 60,8%. Entretanto, o número de inadimplentes caiu, já que em setembro do ano passado 26,5% das famílias diziam ter dívidas vencidas e 9,9% admitiam não ter condições de honrar seus compromissos.


Veículo: Valor Econômico

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