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18/06/2010 09:40 - Brasil adia até 2012 retaliação aos EUA

Americanos reduzem prazo e elevam taxa de programa de garantia à exportação agrícola e prometem fixar limite para subsídios ao algodão

 

A aplicação das retaliações pelo Brasil contra os Estados Unidos, por concessão de subsídios ao setor algodão, está suspensa até o fim de 2012. Por outro lado, os EUA fixarão um teto anual para os gastos com esses subsídios e iniciarão a adequação nos prazos e taxas do programa de Garantias de Crédito à Exportação (GSM) até a reforma da lei agrícola (Farm Bill) em 2012.

 

Essas condições fazem parte de um acordo fechado entre os dois países e aprovado ontem pela Câmara de Comércio Exterior (Camex). Na próxima terça-feira venceria o prazo de 60 dias dado pelo Brasil. A Organização Mundial do Comércio (OMC) autorizou o País a aplicar uma retaliação de US$ 829 milhões.

 

Os dois países não chegaram a um acordo definitivo, mas fixaram regras transitórias para os próximos dois anos. O embaixador do Brasil junto à OMC, Roberto Azevedo, explicou será negociado um teto anual de gastos do Tesouro americano com subsídios e a forma de contabilização dos programas dentro desse limite. "O abatimento desse teto será proporcional ao grau de distorção do programa", explicou. O teto terá que ser aprovado pelo Congresso americano, mas será inferior à média dos gastos entre 1999 e 2005.

 

O chefe do Escritório Comercial dos EUA (USTR), Ron Kirk, comemorou. "Enquanto respeitamos o papel do Congresso, o acordo permite trabalhar por uma solução final da disputa do algodão", disse Kirk, em nota.

 

Brasil e EUA farão consultas trimestrais para acompanhar as discussões sobre as mudanças na lei agrícola. "É claro que não vamos ditar esses termos, mas o Congresso levará em consideração o que imaginamos que seja razoável", disse Azevedo.

 

O acordo prevê também a revisão do GSM a partir de outubro. Será reduzido o prazo de pagamento médio do financiamento para 16 meses até o fim de 2012. Hoje é de 20 meses, embora o tempo máximo seja 36 meses. Ainda haverá um aumento nas taxas cobradas como prêmio de risco. Sempre que a liberação de recursos ultrapassar 48% do orçamento semestral, o valor do prêmio será elevado em 11%. Se ultrapassar 55% do orçamento, o reajuste será de pelo menos 15%. "Se aumenta o prêmio de risco, o programa fica menos atraente", disse Azevedo. Os EUA gastam US$ 5,5 bilhões por ano com garantias de crédito à exportação.

 

O embaixador afirmou que o acordo não impede que o País aplique as retaliações. "O Brasil e os EUA podem denunciar esse acordo a qualquer momento. É um acordo possível para a transição. Não é a solução definitiva''.

 

O presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa), Haroldo Cunha, ressaltou que "a retaliação foi importantíssima" como mecanismo de pressão. Os EUA também concederam um fundo de US$ 147 milhões por ano aos produtos brasileiros. Cunha acredita que a insatisfação do contribuinte americano com o fundo pode provocar mudanças.

 

Os EUA depositarão nos próximos dias uma parte dos recursos. A primeira parcela será de mais de US$ 30 milhões, porque é retroativa a abril. O restante será depositado por mês. Cunha diz que os recursos iniciais serão utilizado no combate a praga do bicudo, projetos sócio-ambientais, e marketing do algodão.

 

Alívio. Os empresários ficaram aliviados. "A retaliação traz consequências graves para os setores atingidos no país ganhador", disse o presidente da seção brasileira do Conselho Empresarial Brasil - EUA, Henrique Rzezinski. "Os EUA saíram da forca por hora, mas o Congresso fica com a responsabilidade", disse a consultora da ONG Oxfam, Stephanie Burgos. "O problema é que os países da África perdem com essa demora". Um cálculo da Oxfam apontou que a receita gerada pelo fim dos subsídios do algodão alimentaria 1 milhão de crianças africanas por um ano.

 


Faltou o simbolismo de uma mudança concreta

 

O objetivo inicial - obrigar os EUA a cumprirem compromissos acordados na OMC, reduzindo subsídios ao setor do algodão, que causavam dano ao Brasil - não foi atingido. Não foi desta vez, e dificilmente será em 2012, como querem que acreditemos.

 

O acordo obtido inclui uma compensação ao Brasil pelos prejuízos que continuaremos a sofrer em razão da política não alterada. Não se inicia um contencioso para obter compensações. Muito menos para retaliar comercialmente o lado perdedor. A possibilidade da retaliação existe como instrumento para pressionar pelas necessárias mudanças, devendo sempre ser evitada.

 

O valor da compensação é uma fortuna para os produtores de algodão do Brasil, porém uma migalha para o Tesouro americano. O valor deve ajudar o setor a realizar ações importantes. Está ajudando, também, a expor a política agrícola perante a opinião pública americana.

 

Faltou, porém, o simbolismo da mudança. Perdeu-se a oportunidade de liderar os países em desenvolvimento. Esperava-se que na política de risco de crédito houvesse maior avanço e mesmo ruptura, pois a decisão estava nas mãos do Executivo. Fica difícil acreditar que, em 2012, a administração Obama enfrentará o lobby no Congresso para alterar o nível de subsídios da política agrícola, quando hoje não consegue sequer alterar o que tinha de mais fácil no contencioso todo.

 

Um avanço foi a colocação em consulta pública do processo de abertura do mercado de Santa Catarina para exportações de carne suína. Com isso, se divulgou o estudo de análise de risco realizado em 2008, que terá efeitos importantes junto a outros países potenciais importadores.

 

Os equívocos nos oito anos de processo foram diversos. O inicial foi aceitar a proposta americana de aguardar o término da Rodada Doha. O equívoco continuou quando o Brasil se afastou dos países africanos, que colocaram o algodão como símbolo da Rodada. O último erro ocorreu em 1.º de abril, quando os EUA, pressionados com o início da retaliação, sentaram-se para negociar.

 

Avanços em negociações ocorrem no último minuto. A madrugada do contencioso do algodão ocorreu no dia da mentira, que nos EUA se chama "dos tolos". Era o momento de se obter uma ruptura que, se não resolvesse o objetivo inicial, pelo menos sinalizaria a liderança do Brasil. Este contencioso era maior que o algodão, não podendo ser compensado só com recursos financeiros, mesmo que vultosos. O paradigma foi esvaziado, mas deixou na passagem muita coisa positiva.

 


Veículo: O Estado de S.Paulo

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