Economia
23/02/2010 10:50 - Para analistas, países do Bric podem ter um projeto comum
A expressão Bric, criada em 2001 por Jim O´Neill, economista-chefe do banco Goldman Sachs, é hoje ainda pouco mais do que uma sigla, mas tem potencial para unir os quatro países que a compõem (Brasil, Rússia, Índia e China) em torno de um projeto. Por enquanto, a principal motivação seria a de pressionar pela mudança da atual ordem política e econômica mundial, mas a proposta pode também avançar em áreas mais específicas, como trocas comerciais e de conhecimentos. Na essência, essa foi a principal conclusão do primeiro dia de debates do seminário "Uma Agenda para os Bric", promovido pela Prefeitura do Rio de Janeiro, com a participação do Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio.
O´Neill criou a sigla logo depois do atentado de 11 de setembro de 2001 que derrubou as torres gêmeas do World Trade Center, em Nova York, para nomear o grupo de países que, para ele, estavam mais próximos de alcançarem o nível de potências mundiais. Ontem, ele disse que imaginou a possibilidade de o mundo desenvolver uma globalização "que não seja uma americanização", com perspectiva, dada a diversidade de culturas dos quatro, de surgimento de um mundo mais tolerante com as diferenças culturais e religiosas.
O economista inglês segue confiante na sua hipótese e já prevê que em 2050 a economia do Bric ultrapassará US$ 120 bilhões (US$ 70 bilhões da China), sendo três vezes maior do que a dos Estados Unidos, que deverão então somar US$ 40 trilhões.
"É difícil imaginar o consumidor americano tornando-se novamente o motor do mundo nos próximos 20 anos. Então, acho que o Bric vai ser esse motor, especialmente o C (de China) da sigla", disse O'Neill a propósito da recuperação mundial pós-crise de 2008/2009. Ele apresentou uma série de transparências justificando suas afirmações, disse que a economia chinesa será maior do que a americana em 2027 e a atual recuperação mundial será um gráfico em forma de V e não de W, como imaginam os menos otimistas, liderada pelos mercados emergentes. E contestou também as críticas ao câmbio chinês desvalorizado, ressaltando que no começo deste ano as importações da China cresceram na casa dos 80%.
Ele também apresentou uma planilha na qual deu notas a 13 variáveis importantes para o crescimento sustentado, como a educação, a legislação, corrupção, inflação, grau de abertura e outros. Na planilha, o Brasil aparece com a melhor nota entre os países do Bric, 5,3, diante de 5,2 da China, 5,1 da Rússia, e 4,8 da China. O'Neill deu 7,4 para a educação no Brasil, nota contestada pelo economista Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central (1999-2002).
"Eu daria uma nota menor", disse Fraga, realçando o papel da educação e do aumento dos investimentos como condições essenciais para a sustentabilidade do crescimento brasileiro. Fraga admitiu a hipótese de o Brasil crescer este ano os 6,4% da previsão revisada do Goldman Sachs (era 5,8%), mas ainda coloca em dúvida a sustentabilidade. Embora tenha considerado, no geral, a fala de O'Neill equilibrada, ponderou, sobre o papel do Bric, que não se pode perder de vistas que os países do grupo ainda são economias relativamente pequenas quando o indicador é a renda per capita. A Rússia é a maior, com renda entre US$ 10 mil e US$ 12 mil, seguida do Brasil, com US$ 8 mil, da China, com US$ 4 mil, e Índia, com US$ 1 mil.
A intervenção do russo Sergei Aleksashenko, da Escola de Altos Estudos Econômicos de Moscou, ex-vice-ministro das Finanças do seu país (1993-1995) já serviu para deixar clara a distância dos países do Bric quando se trata de interesses econômicos. Ele disse que a migração dos chineses do campo para as cidades criou o fenômeno da mão de obra barata naquele país, prejudicando a expansão industrial dos demais países. "Na Rússia, o que se diz é que não dá para competir com a China", afirmou.
Aleksashenko avaliou que uma agenda comum do grupo passa por propostas de reorganização da ordem econômica mundial, incluindo a criação de um sistema de pagamentos mundial e a reforma do Fundo Monetário Internacional (FMI) para adequá-lo à realidade mundial nas próximas décadas. Esse papel do Bric como líder de uma reorganização da ordem mundial foi visto por outros participantes do encontro como mais viável, por enquanto, para uma associação dos quatro países.
O diplomata Marcos de Azambuja, vice-presidente do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), ressaltou que o Bric não é um mercado comercial comum, uma aliança natural e muito menos uma associação étnica, cultural ou geográfica. Lembrou que China, Rússia e Índia são até, historicamente, maus vizinhos, e disse que em comum eles têm o fato de serem grandes e de sentirem-se "tratados na ordem internacional com prestígio abaixo do que merecem". Para Azambuja, a aliança dos países do Bric deve ser voltada para o futuro, sem olhar para o passado, e, dadas as diferenças "recomenda-se fé no projeto e modéstia de objetivos e ambições".
É muito próximo o pensamento do indiano Shumeet Banerji, CEO da consultoria Booz & Co. Para ele, apesar da crescente importância no consumo mundial, o Bric não possui uma intensidade de relacionamento que justifique dizer que seus países existem enquanto associação, mas defendeu a necessidade de uma agenda comum. É, no geral, o que pensa também o economista Li Jun, diretor-geral do Centro de Estudos do Mundo Contemporâneo da China. Mas o indiano Rakesh Vaidyanathan, diretor do The Jai Group, especializado na implantação de empresas indianas em países emergentes, avalia que as possibilidades comerciais de uma associação são enormes, citando como exemplos de complementariedade entre Brasil e Índia os negócios com fármacos e etanol, pelo lado indiano, e as atuações das brasileiras Marcopolo e Weg em seu país.
Veículo: Valor Econômico
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