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18/11/2014 11:50 - Atum de cativeiro abre uma nova fronteira no mercado de peixes

Não faz muito tempo, Tokihiko Okada estava em seu barco quando o celular tocou com um pedido urgente de uma loja de departamentos de Tóquio. O sashimi da seção de produtos gourmet estava acabando. Será que ele poderia arranjar mais um atum para entrega imediata?

 

 



Okada, pesquisador da Universidade de Kinki, em Osaka, teve prazer em atender ao pedido - e sem precisar de rede ou vara de pescar. Em vez disso, avisou um mergulhador da sua empresa, que entrou num viveiro redondo armado no mar. Munido de um arpão elétrico, ele abateu um atum de barbatana azul do Pacífico que pesava 40 quilos e foi criado em cativeiro desde o nascimento.

Até algum tempo atrás, criar atum era considerado impossível, mas agora o negócio está começando a decolar como parte de uma transformação mais ampla na aquicultura que está revolucionando o suprimento mundial de alimentos.

"Recebemos tantas encomendas hoje em dia que estamos pegando os peixes antes de dar a eles o tempo ideal para crescer", diz Okada, de 57 anos, que é acadêmico e empresário. Agora que um boom no consumo mundial está esgotando as populações naturais de peixes, a demanda está sendo atendida, cada vez mais, pelos animais criados em fazendas de piscicultura.

Em 2012, peixes criados em cativeiro representaram uma parcela recorde de 42,2% da produção mundial, comparado com 13,4% em 1990 e 25,7% em 2000. Nada menos de 56% do consumo mundial de camarão já vem de criações. O cultivo do salmão do Atlântico, que só começou a sério em meados dos anos 80, já responde por 99% da produção mundial - a ponto de atrair críticas por poluir os sistemas hídricos locais e transmitir doenças aos peixes selvagens.

Até recentemente, o atum de barbatana azul do Pacífico resistia ao cultivo em cativeiro. Os peixes podem pesar até 450 quilos e percorrem os mares numa velocidade de até 50 quilômetros por hora. A enorme criatura é temperamental e se perturba facilmente com a luz, ruídos e mudanças na temperatura da água. O atum dispara pela água em linha reta, o que o torna suscetível a colisões fatais no cativeiro.

Os japoneses apreciam tanto esse peixe que o chamam de "hon-maguro" ou "atum verdadeiro". Outros o chamam de "o Porsche do mar". Num leilão de peixes em Tóquio, um único atum foi vendido por US$ 1,5 milhão, ou US$ 6.600 o quilo.

Tudo isso está colocando a preservação da espécie em perigo. Os estoques nos mares equivalem atualmente a menos de 20% do pico registrado no início dos anos 60, segundo cálculo de um comitê governamental internacional que monitora a pesca do atum no Pacífico. Ele estima a população selvagem atual em 44.848 toneladas, ou cerca de nove milhões de peixes, um recuo de quase 50% nos últimos dez anos.

O declínio foi exacerbado pelos esforços anteriores de criar atum. Os pescadores frequentemente apanham peixes jovens no mar e os criam em viveiros, prática que encurta o ciclo de reprodução ao retirar do mar uma grande parte da nova geração.

Cientistas da Universidade de Kinki começaram a estudar piscicultura após a Segunda Guerra Mundial, num esforço para aliviar a escassez de alimentos. Em 1969, muito antes de o mundo começar a apresentar forte demanda por sushi e sashimi e exigir fatias frescas de atum gordo, a universidade embarcou numa tentativa de domesticar o atum. Seu objetivo era completar em cativeiro todo o ciclo de reprodução do peixe.

Dois cientistas da Kinki lançaram-se ao mar com pescadores para capturar espécimes jovens para criar em cativeiro. "Nós, pesquisadores, sempre quisemos criar o atum de barbatana azul porque é um peixe muito grande e veloz. É muito especial", disse um dos cientistas, Hidemi Kumai, agora com 79 anos. "Sabíamos desde o início que ia ser um desafio enorme."

No mesmo instante em que os pesquisadores tiraram da rede alguns peixes jovens, a pele começou a se desintegrar e eles morreram. Foram necessários quatro anos só para aperfeiçoar ganchos delicados e de liberação rápida próprios para apanhar os atuns jovens e transferi-los para os viveiros.

Em 2011, a Universidade de Kinki perdeu mais de 300 peixes adultos do seu estoque de 2.600 animais quando um tsunami deixou a água turva, fazendo os peixes entrarem em pânico e se atirarem contra as redes. No ano passado, o prejuízo veio de um tufão que dizimou as reservas.

Demorou quase dez anos para as fêmeas capturadas na natureza começarem a desovar nos viveiros de pesquisa da Kinki. Mais tarde, porém, em 1983, elas pararam de desovar, e durante onze anos os pesquisadores não conseguiram descobrir a causa do problema. Os cientistas agora atribuem essa interrupção da desova às oscilações na temperatura da água ao longo do dia.

No verão de 1994, as fêmeas desovaram novamente. Os pesquisadores colocaram cerca de 2 mil filhotes num tanque em terra firme. Na manhã seguinte, a maioria tinha morrido. Os cientistas acabaram concluindo que luzes fortes e repentinas de carros, fogos de artifício ou raios faziam os peixes entrar em pânico e colidir uns com os outros ou contra as paredes. A solução foi manter as luzes acesas sempre.

Por fim, em 2002, a equipe da universidade se tornou a primeira no mundo a criar em cativeiro atuns de barbatana azul de pais também nascidos em cativeiro. O ciclo se completou, mas a taxa de sobrevivência continuava baixa.

O país com maior risco de uma escassez de atum era o Japão, que consome 80% do volume pescado no mundo, ou cerca de 40 mil toneladas anuais. Tradings japonesas com grandes operações de pesca, como Mitsubishi Corp. e Sojitz Corp., começaram a se interessar pelos pesquisadores da Universidade de Kinki.

Entra em cena Taizou Fukuta, que trabalhava na Toyota Tsusho Corporation, uma trading afiliada à montadora. Depois de assistir a um documentário sobre o projeto da Kinki de criação de atum, ele propôs criar um negócio de piscicultura num concurso interno de ideias para empreendimentos promovido pela Toyota. Fukuta venceu o concurso e, com US$ 1 milhão em capital inicial, começou a visitar a Kinki e conversar com Okada, o responsável por pesquisas sobre atum na universidade. Depois de muitas visitas, o acadêmico finalmente concordou em cooperar com a Toyota, em 2009.

A Toyota financiou a construção de instalações maiores, onde os alevinos criados nos laboratórios da universidade poderiam ser criados em grande quantidade durante quase quatro meses. Nesse ponto, os peixes jovens já são estáveis o suficiente para serem vendidos a fazendas de piscicultura comercial, onde são engordados durante até quatro anos e vendidos para o abate.

Fukuta trocou seu emprego de escritório por uma pequena ilhota próxima à ilha de Kyushu, no sul do Japão, onde o clima ameno é ideal para criar alevinos. Ele convenceu os pescadores locais a arrendar para a sua empresa o direito de armar dezenas de viveiros no mar.

A primeira remessa de filhotes da Universidade Kinki veio de caminhão e acabou tendo perda de 90%. As remessas seguintes seguiram de barco. Quando muitos peixes morreram com a chegada do inverno, o empresário procurou uma fábrica de ração para desenvolver um alimento artificial que mantivesse os peixes aquecidos.

Mas Fukuta perdia ainda mais peixes na preparação para despachá-los aos compradores. Não era possível transferi-los para o porão de um barco sem fazê-los se chocar com força nas paredes da embarcação. Foi inventado então um funil gigante, feito de material liso e flexível, para direcionar os peixes.

Depois de alcançar uma venda anual média de 20 mil peixes jovens nos últimos três anos, a produção da Toyota deve subir para 40 mil no ano que vem. Isso complementa a capacidade da universidade, que produz uma quantidade semelhante de peixes. Juntas, a Toyota e a Kinki poderiam atender a quase 20% da demanda das fazendas de atum japonesas por peixes jovens.

Atualmente, mais ou menos um ou dois de cada 100 alevinos de atum cuja origem são as ovas cultivadas na Kinki sobrevivem até a idade adulta, em comparação a somente um em várias centenas alguns anos atrás. Por outro lado, só um em cada 30 milhões de alevinos nascidos de ovas na natureza sobrevivem até a idade adulta.



Veículo: Valor Econômico

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