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22/04/2010 11:01 - Pérolas aos porcos

Selvagens, os suínos pretos ibéricos têm alimentação natural que lhes dão aroma e sabor; o presunto cru matura por três anos

 

No século 16, Michelangelo pintava o teto da Capela Sistina e lá ficou registrada a imagem de uma "bellota" (bolota, em português). Bolotas são os frutos das azinheiras, que se assemelham às castanhas. Quando ficam maduras e caem no solo, tornam-se o principal alimento dos selvagens porcos pretos ibéricos, que chegam a consumir a doce polpa de até 60 unidades por dia nos últimos dois meses de vida, quando pastam livres -época batizada de "montanheira". São os últimos remanescentes, na Europa, criados em liberdade, sem interferência humana, com alimentação natural, reforçada com ervas aromáticas.

 

Juan María Arzak, chef da vanguarda gastronômica espanhola, já dizia: o "jamón ibérico de bellota" é um dos nossos "partidões de ouro". É representação nobre de um dos sinais de identidade mais peculiares do nosso modo de comer e sentir a tapa (receitas servidas em pequenas porções).
O tratamento que os porcos recebem desde o nascimento é o que lhes confere sabor, aroma e textura especiais -e preços também (no Brasil, uma peça com cerca de 6 kg pode custar R$ 4.000). Diferentemente dos porcos brancos, domesticados e criados em confinamento, os pretos são alimentados com ração rica em gordura, antes de serem soltos.

 

Segundo o professor Miguel Ángel Aparicio Tovar, que se dedica ao tema há 20 anos, os porcos até passam um pouco de fome para que fiquem estimulados a consumir mais durante a fase da montanheira, época em que engordam até 50% do peso. Para cada animal, calcula-se uma área mínima de 17 mil m2, com cerca de 60 azinheiras de aproximadamente 60 anos -idade em que estão no auge produtivo. Assim, os porcos se movimentam e fortalecem seus músculos, o que resulta em uma carne mais firme.

 

Mesmo com o exercício, o gasto de energia é menor que a ingestão de gordura. Características genéticas também permitem grande depósito de gordura -esta infiltra as fibras e gera uma carne marmorizada, suculenta e brilhante.

 

Quando alcançam peso aproximado de 150 kg, estão prontos para o abate. No frigorífico, depois de separadas e limpas, as patas ficam em contato com sal marinho grosso. Finalizada a salga, são lavadas e, em seguida, inicia-se o processo de maturação, que pode durar 36 meses, num movimento gradativo de aumentar a temperatura e diminuir a umidade.

 

Seu aspecto final pode assustar, pois as patas ficam pretas, envoltas por uma camada de mofo -mas é ela que protege o presunto. Antes do consumo, pode-se limpar a crosta com azeite de oliva.

 

A arte da faca
Pepe Hiraldo Gallardo tem 57 anos e há 30 está envolvido na arte de cortar presunto cru. "Quanto mais fino, melhor. Você come e ele se funde na boca, parece um caramelo", diz ele, enquanto fatia o produto, no Salón Gourmet, realizado na semana passada em Madri.

 

Nos últimos anos, houve estímulo ao ofício de cortar presunto cru na Espanha. No evento, foi promovido um concurso para eleger o mais hábil "cortador de jamón". Os pedaços devem ser pequenos, para que caibam inteiros na boca, e translúcidos. Para isso: uma boa faca, um bom amolador e um bom... presunto ibérico.

 

Aliás, esqueça o termo "pata negra", "é genérico e não deve ser usado; há algumas raças de porcos brancos que têm patas negras", diz o doutor em veterinária Ramón Cava. Ele faz ainda uma análise breve sobre os elementos que levam os preços do presunto cru ibérico de bolota às alturas, inclusive na Espanha. "A produção é limitada. Não tem como crescer, é uma questão de aritmética." As azinheiras crescem somente na Península Ibérica e no norte da África, onde, por questões religiosas, não há porcos. Junta-se a isso o longo processo para obter o produto final.

 

Raro no Brasil, pode ser encontrado em mercados como o Santa Luzia, que passou a vendê-lo no fim do ano passado. Segundo Josias Severino, do setor de frios, uma peça entre 6 e 7 kg chega a custar R$ 4.000 -e, como recebem poucos exemplares, não é sempre que está disponível. Já Luciano Almendary, da All Food, empresa importadora de produtos finos, deve habilitar, ainda neste ano, um produtor de presunto ibérico de bolota. "Tem um valor agregado muito alto e por isso tem venda reduzida. Mas pretendo oferecer boa relação custo-benefício."

 

Veículo: Folha de São Paulo

 

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