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12/04/2010 10:59 - Abate consciente

Nos frigoríficos, a cena em que grupos de trabalhadores são treinados para uma total mudança na cultura no abate de animais vem se repetindo com maior frequência no Brasil. Técnicas antigas e cruéis, sem a preocupação com a morte sem dor, já não estão sendo aceitas por consumidores conscientes e importadores da carne. Marcas como Sadia, Perdigão e Seara aderiram ao Programa Nacional de Abate Humanitário, realizado em parceria pela Sociedade Mundial de Proteção Animal (WSPA na sigla em inglês) e o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Os próprios abatedouros reconhecem que a alta carga de estresse a caminho do matadouro faz a carne perder qualidade e cada hematoma representa uma perda equivalente a 400 gramas do alimento.
 


Uma revolução nos frigoríficos

 

Cresce adesão de empresas brasileiras ao abate humanitário, que envolve regras para o trato dos animais desde a criação. Programa começou em Santa Catarina e chega a Minas Gerais em 2012

 

Mais da metade (55%) das carcaças dos quase 6 bilhões de animais abatidos, ano passado, no Brasil, entre 43 milhões de cabeças de gado, 36 milhões de suínos e 4,9 bilhões de aves, apresentava pelo menos uma contusão, segundo a Sociedade Mundial de Proteção Animal (WSPA na sigla em inglês). Na linguagem objetiva dos frigoríficos e abatedouros, cada hematoma encontrado representa uma perda equivalente a 400 gramas de carne. Além do prejuízo sentido nos cortes, a carne também perde qualidade quando os animais sofrem maus tratos desde a criação, no manejo (transporte) até o abate.

 

“Nos frangos submetidos à alta carga de estresse, a carne fica pálida e pode chegar a ter pontinhos de sangue. Já a de suínos fica pálida e solta água, enquanto a do bovino parece mais escura e seca na superfície”, ensina Charlí Ludtke, que coordena o Programa Nacional de Abate Humanitário (Steps na versão americana), realizado em parceria pela WSPA e o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). Com o projeto, lançado em julho de 2009, a defesa do bem-estar animal voltou a ganhar força depois de 10 anos da publicação, pelo próprio Mapa, da Instrução Normativa nº 3, que regulamenta o abate humanitário dos animais de produção.

 

A meta inicial de treinamentos do método é instruir 2 mil inspetores federais, estaduais e municipais de acordo com as regras da Organização Mundial de Saúde Animal (OIE), da União Europeia e de outros países importadores da carne brasileira. “Mas não adianta só treinar pessoas, temos de tornar obrigatório o abate humanitário no país, garantindo que, já que é preciso haver o abate, que esses animais pelo menos não sofram”, afirma Ludtke. Ela lembra que já é exigência do Mapa um programa de bem-estar animal nos frigoríficos, mas que ainda precisa ser regulamentado por meio de decreto-lei.

 

O projeto-piloto do programa Steps começou em Santa Catarina. A previsão da WSPA é de chegar ao Rio Grande do Sul em setembro deste ano. Minas Gerais só entra no cronograma em 2012. Com uma equipe de apenas cinco técnicos, o programa já consumiu R$ 4 milhões em recursos próprios, segundo a WSPA. Em nove meses, participaram 232 frigoríficos, com mais de 800 funcionários treinados em Santa Catarina. “Essa cobrança já é uma realidade no Brasil. As empresas vão ter de se adaptar às exigências para exportar para outros países”, alerta Josiely Bruscato, supervisora de processo industrial da unidade da Seara de Itapiranga (SC).

 

A adesão dos frigoríficos ao Programa Steps é voluntária. Em Santa Catarina, além da Seara, participaram as maiores empresas do setor com sede naquele estado, como Perdigão e Sadia, fundidas em um só grupo. “Desde que se começou a falar no assunto, em 2003, começamos a implantar as regras na empresa, contemplando todo o processo, da apanha do frango à criação e o abate. Os parâmetros de bem-estar animal são totalmente aplicáveis e melhoram a qualidade da carne, reduzindo a quantidade de hematomas”, completa Bruscato, que optou pela reciclagem da equipe e aperfeiçoamento interno dos procedimentos.
 


Indústria reconhece atraso

 

Um dos aspectos mais curiosos das técnicas do Programa Steps é a total mudança na cultura do abate. Saem os berros – dos funcionários e dos bois –, a violência, sangue jorrando e o nervosismo do animal a caminho do matadouro. No lugar, entra a mansidão dos bois, conduzidos um a um por meio de bandeiras, que substituem os usuais choques elétricos. Segundo as técnicas modernas, basta entender o instinto do animal, que seguirá sempre em frente se o funcionário ficar posicionado atrás de sua zona de fuga, sem ser visto.

 

“O boi observa o comando e segue. Quando tem a sensação de que vai morrer, de que está no corredor da morte, ele trava”, detalha o ambientalista Franklin Oliveira, correspondente da WSPA em Minas. Segundo ele, no estado ainda persistem os abates clandestinos, com animais sendo mortos a machadadas e, nas granjas pintinhos abaixo do peso sendo jogados vivos em trituradores para compor ração animal. “É a maior crueldade. No Brasil, onde antes predominava o gado criado solto, sabe-se que 48% são mantidos em regime de confinamento, de criação intensiva, sobretudo aves”, afirma.

 

Segundo o Instituto Mineiro de Agropecuária (IMA), o índice de clandestinidade nos abates e frigoríficos de Minas foi reduzido de 53% para os atuais 22%. Altino Rodrigues Neto, superintendente do IMA, garante que as marretas foram abolidas dos frigoríficos registrados. Sílvio Silveira, presidente da Associação dos Frigoríficos de Minas Gerais, Espírito Santo e Distrito Federal (Afrig) concorda que a marreta foi substituída pela marreta eletrônica.

 

Silveira discorda, porém, com o nível de frigoríficos fiscalizados em Minas. Segundo ele, só se fiscaliza quem trabalha certo. Pelos cálculos da Afrig, são 40 frigoríficos submetidos à inspeção federal e outros 40 à fiscalização do IMA. Ao todo, os 80 correspondem a menos de 10% do que seria suficiente para abastecer 853 municípios mineiros. “De que adianta matar 300, 400 bois certinho e o resto todo clandestino. Quanto mais as indústrias ficam pressionadas, mais recorrem ao abate clandestino”, alega. E completa: “A indústria tem consciência de que o país está atrasado e de que é preciso modernizar as técnicas. Mas as regras criam embaraço e tornam o produto mais caro. Quem paga é o consumidor.”

 

Veículo: O Estado de Minas
 
 

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