Para atrair clientes, redes investem até 30% mais. Na crise, consumidores correm atrás de ofertas

O ano de vendas fracas acirrou a batalha entre supermercados pela preferência do consumidor — que anda com o bolso vazio por causa da inflação, próxima de 10% neste ano. Para atrair clientes, as redes até aumentaram o investimento na temporada de promoções. É o caso da rede Guanabara, que começou ontem sua campanha de aniversário e diz ter gasto R$ 13 milhões para o evento, 30% a mais do que os R$ 10 milhões de 2014. A estratégia também foi adotada pelo Mundial, que não revela valores, mas estima ter aumentado em 20% os gastos para campanha de aniversário. O Extra não revela valores, mas promove sua campanha das Rosadinhas, prometendo descontos de até 80%. Para analistas do setor, a aposta maior reflete a importância que esse tipo de tática tem em ano de recessão.— Esse ano, eles vão ser mais agressivos. O consumidor está com receio de gastar, mas tem que comprar os gêneros básicos — afirma o consultor de varejo Marco Quintarelli.

Para Albino Pinho, diretor de marketing do Guanabara, o momento ruim da economia não muda a estratégia da empresa. A rede espera que as vendas aumentem 20% em relação ao ano passado. Até a tarde de ontem, pelo menos 250 mil pessoas foram as 23 unidades da empresa, alta de 20% frente a 2014. Para cumprir a meta, a estratégia é reduzir a margem.— Com 21 anos de promoções já enfrentamos crises piores que essa, inclusive com inflação e taxas de desemprego maiores que hoje. Então, a estratégia é manter crescimento com margem menor — afirmou Pinho.

No Mundial, a estratégia é semelhante. Segundo Manuel Pinheiro, diretor de Compras da companhia, a meta de aumento de 20% de vendas frente ao ano passado deve ser batida neste fim de semana. Para negociar com fornecedores, o objetivo é comprar o máximo de produtos à vista, evitando custos com financiamento, e também reduzir a margem de lucro. Neste ano, a rede promete descontos de até 30% em cerca de 300 produtos.— Os fornecedores têm uma relação muito forte com a gente. Nesta época, eles também chegam com um sacrifício a mais para que o consumidor saia feliz — explica Pinheiro.

Segundo Ulysses Reis, coordenador de varejo da Fundação Getulio Vargas (FGV), por trás dos descontos oferecidos nesse tipo de campanha está uma negociação intensa com fornecedores. O analista explica que é comum que a indústria ofereça um “enxoval” — no jargão do setor —, que envolve descontos e até mercadoria de graça. Em troca, tem a garantia de posição privilegiada nas gôndolas dos mercados.— Na verdade, os fornecedores perdem com isso desde 1998, quando esse tipo de acordo começou a ser feito. Eles se submetem porque não têm canal de venda direta — afirma o especialista.

O clima também é de guerra entre os consumidores. O aniversário do Guanabara mobilizou milhares de clientes na cidade. Na unidade de Niterói, houve até engarrafamento de carrinhos. O corre-corre generalizado foi compartilhado em vídeos em redes sociais, e a palavra “guanabara” chegou a figurar nos assuntos mais comentados por brasileiros no Twitter durante a tarde. — Parece urubu na carniça! — disse uma cliente. O período de promoção da rede coincide com as campanhas da concorrência. O aniversário do Mundial vai até terça-feira, 20 de outubro, enquanto a Rosadinha do Extra segue até 27 de outubro. Na sequência, a rede Extra deve emendar a campanha de aniversário, em novembro. Com tantas promoções, o consumidor pesquisa.— Eu pesquisei os preços antes de vir para cá. E olha que nem é compra mensal, é só quinzenal mesmo — contou a fonoaudióloga Rose Lourdes, que foi para a filial de Niterói do Guanabara com a lista de compra e os valores de cada item.

No Mundial, muitos ficavam de olho na promoção relâmpago. O preço do azeite extra virgem Andorinha, por exemplo, caiu de R$ 13 para R$ 11 por três minutos.— A promoção valeu a pena — disse a aposentada Heloísa Helena Oliveira.

No Extra, boa parte dos consumidores circulava pelos corredores com encartes da concorrência em mãos. A rede costuma cobrir os preços da concorrência. Quem comparou preços com os do Guanabara, por exemplo, conseguiu economizar em alguns itens. O sabão em pó Omo de 2kg custava R$ 9,99 no Guanabara, contra R$ 15,75 no Extra. O desconto chegou a 36,6%.— Estou fazendo a compra quinzenal. Minha expectativa é economizar cerca de R$ 50 com a cobertura de preços. Não encontrei o óleo Leve, que está mais barato no encarte — contou a professora Lúcia Souza, que fazia compras no Extra do Maracanã.

O economista Luiz Carlos Ewald alerta para gastos além da conta. O ideal é estocar produtos apenas se o desconto valer realmente a pena:— Se for ao mercado e encontrar desconto de 20% a 30%, e não for um produto sujeito a vencimento, você deve fazer estoque desse item especificamente, e não um estoque de tudo.

A dona de casa Patricia Antoniol, que mora em Volta Redonda, a 130 quilômetros da capital, vem todo ano ao Rio para aproveitar as ofertas do Guanabara. Ela segue a orientação de Ewald à risca:— Eu faço a pesquisa antes e já trago uma lista mais ou menos pronta na cabeça. Mas, se eu encontrar algo que valha a pena e não esteja na lista, eu compro também. Já Pedro dos Santos pretendia gastar menos. — Mas essa compra tem que durar. Até depois do carnaval, de preferência — brincou ele, que garante que a economia vale o sacrifício.

Veículo: Jornal O Globo