Por Wagner Hilário
Economista, com vasta experiência na área de regulação de mercado, Cláudia
Viegas fala sobre a terceirização e sua função-chave para o ganho de eficiência
das atividades produtivas e para o desenvolvimento socioeconômico do País
O semblante jovial de Cláudia Viegas, diretora da área de Economia do Direito, na LCA Consultores, poderia fazer-nos subestimar toda a sua experiência como economista. Porém, a segurança com que expõe seus pontos de vista, em voz suave e, na maioria das vezes, alicerçados sobre uma conjugação de conhecimento teórico e prático, não deixa dúvidas quanto à abrangência de seu olhar econômico sobre assuntos diversos e complexos, como o impacto da terceirização na economia brasileira.
Para defender sua visão, a respeito desse polêmico assunto, Cláudia, que também é professora de Economia na Fundação Getulio Vargas (FGV) e na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP), apresenta pesquisas e argumentos, baseados, sobretudo, na tese do fundador da teoria econômica moderna, o escocês Adam Smith, segundo quem, a especialização, da qual a terceirização é “aliada”, é o caminho mais rápido para o desenvolvimento de técnicas inovadoras, capazes de tornar as economias mais produtivas e equilibradas, com ganhos sociais.
“Sou a primeira economista da minha família. Não segui esse caminho por influência de meus pais. Na verdade, sempre gostei de estudar questões ligadas a aspectos socioeconômicos.” Cláudia conta que estudou, toda a vida, em escola pública, que era boa aluna em todas as disciplinas, que fez cursinho, ao fim do colégio, graças a uma bolsa de estudo, e que, quando chegou a hora de prestar vestibular, suas opções de faculdade eram duas: Instituto de Economia da Universidade de Campinas (IE-Unicamp) e FEA-USP. Foi para a FEA. “Encanta-me, principalmente, a capacidade que a economia tem de derrubar alguns mitos, principalmente por causa dos resultados que as análises quantitativas nos oferecem.
Graças a ela, conseguimos olhar para questões humanas, de maneira bem racional. Isso me seduziu na economia; senti que, com as minhas análises, projetando cenários, poderia influenciar acontecimentos do dia a dia, de forma prática, e que não ficaria só na teoria.” Na FEA, Cláudia encontrou terreno fértil para as suas aspirações profissionais. “Sempre me imaginei envolvida em projetos de pesquisa e, também, atuando no mercado.” Seu primeiro emprego foi em banco, onde ficou pouco tempo. Logo, foi para a Fundação e Instituto de Pesquisas Econômicas [Fipe], ligada à FEA. “Na Fipe, eu me associei a muitos professores na realização de pesquisas variadas e fi z estágio lá, durante quase toda a minha graduação.”
Além de formar-se economista pela USP, Cláudia fez, também pela universidade, mestrado e doutorado. Foi durante seu doutorado, cujo tema tratava de políticas públicas e regulação industrial, que surgiu a oportunidade de trabalhar como secretária adjunta na Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda (SEAE/MF). “A linha de atuação da secretaria ia ao encontro do que eu estudava para o doutorado e havia, naquele cargo, um atrativo a mais e de caráter pessoal para eu concluir a minha tese.” Segundo a economista, a experiência foi altamente enriquecedora para o seu aprimoramento profissional.
“Quando nós estamos no setor público, é que percebemos toda a complexidade de um tema. Somos cobrados, pelos inúmeros setores e segmentos envolvidos na discussão, a analisá-lo pelo máximo possível de ângulos. O fato é que, em política pública, tudo tem, realmente, muitas e profundas consequências.” Cláudia trabalhou na SEAE, de 2004 a 2007, e, nesse período, atuou em defesa da concorrência e regulação econômica, exercendo função de coordenação em conselhos públicos ligados à área de agricultura, energia e saneamento, economia da saúde, telecomunicação e mídia.
“Aprendi muito ao trabalhar no fortalecimento das agências reguladoras, cujo papel institucional é de enorme importância. A Anac [Agência Nacional de Aviação Civil] foi fundada nesse período. Eu acompanhei sua formação.” Apesar da experiência positiva, que teve no setor público, Cláudia considera que, hoje, na consultoria, está onde, de fato, queria estar. “Acho que ser consultora é não estar de nenhum dos lados, o que nos permite exercer a ciência econômica de maneira mais plena.
Claro que somos contratados por alguém, mas a solução do problema só é verdadeira, quando contemplamos todos os aspectos. Se carregarmos as tintas para um dos lados [empresários, trabalhadores, consumidores, governos, etc.], não resolveremos nada. Temos de trabalhar em cima de um mínimo múltiplo comum, que resolva e agregue.”
Muitas pessoas dizem que a terceirização torna as relações de trabalho precárias. Você concorda?
Não. Essa ideia, de que a terceirização é o mesmo que trabalhar em condições precárias, é uma confusão muito comum, mas, ao mesmo tempo, muito prejudicial. Toda a forma de trabalho precário precisa ser combatida, seja em atividade terceirizada ou não. Nós temos um aparato legal amplo, que é a CLT [Consolidação das Leis do Trabalho], que protege toda e qualquer relação de trabalho, esteja o profissional vinculado a uma empresa terceirizada ou não.
E as pesquisas, que dizem que os trabalhos de empresas terceirizadas estão mais sujeitos a acidentes e os salários são menores?
As pesquisas, que apontam nesse sentido, têm falhas metodológicas graves. O problema é que, quando fazem a pesquisa, não ponderam o ramo de atividade; pegam a massa de trabalhadores de empresas terceirizadas e comparam-nos com os empregados diretos, isso tudo sem distinguir ramo de atividade. Os empregados diretos, geralmente, trabalham em escritórios, funções administrativas e, é evidente, estão bem menos sujeitos a acidentes. Pelo caráter de especialização, acredito que os acidentes, envolvendo profissionais de empresas terceirizadas, acontecem em menor quantidade, nas mesmas atividades, do que entre os empregados diretos. Quanto aos salários, o problema é o mesmo: falhas metodológicas em pesquisas que não distinguem tipo de atividade e função. Na verdade, há pesquisas que mostram, sobretudo quando a função exige maior escolaridade, que os profissionais terceirizados são mais bem remunerados que os funcionários diretos.
O que você acha do Projeto de Lei 4.330, em tramitação no Senado, e que visa regulamentar a terceirização no Brasil?
Acho um avanço, porque, uma coisa é certa, é preciso regulamentar a terceirização, é a única maneira de acabar com a insegurança jurídica que envolve esse assunto, hoje, no País. Pôr fim à insegurança jurídica é o principal atributo desse projeto e um avanço importante, sem dúvida. Por isso, mesmo que não se concorde com tudo o que é proposto nele, é melhor haver uma regra do que não haver. Hoje, a terceirização é analisada, juridicamente, caso a caso. Por não haver regra, as decisões judiciais podem ser distintas: um contrato de terceirização pode ser considerado legal, por um juiz, enquanto outro, com as mesmíssimas características, se julgado por outro juiz, pode ser considerado ilegal. Nesse caso, um vínculo de terceirização seria cancelado, proibido, e o outro mantido. Imagine que as empresas, contratantes do serviço, sejam concorrentes: uma sairá profundamente prejudicada. O fato é que, com o projeto, não haverá mais, por parte dos empresários, a dúvida, que hoje existe, de poder ou não poder terceirizar.
Embora seja um avanço, ele é bastante criticado, mesmo pela classe empresarial, não?
O principal ponto de divergência está relacionado ao que pode ou não ser terceirizado. É, aí, então, que entra a discussão sobre atividade-meio e fim. [A ideia é que se possa terceirizar, apenas, atividades de natureza complementar ao escopo do negócio, ou seja, atividades-meio. A atividade-fim da empresa não poderia ser terceirizada.] Nesse sentido, a discussão fica, inevitavelmente, precária, porque os conceitos de atividade-meio e fim são muito subjetivos. Além disso, é um conceito mutante: o próprio avanço das relações de trabalho e das atividades econômicas pode alterar, ao longo do tempo, o que é atividade-meio e fim. Se nós olharmos para Apple, por exemplo, podemos nos perguntar: o que ela fazia há 20 anos, software ou hardware? Qual seria a atividade meio e fim dessa empresa? Não seria uma resposta fácil de dar. E hoje?
A resposta é ainda mais complicada [a empresa desenvolveu equipamentos que sequer existiam, como o tablet, produz telefones, softwares, específicos para diferentes plataformas, e, também, aplicativos].
Qual é o risco dessa distinção entre o que pode, em termos de atividade, ser terceirizado ou não?
Mais uma vez, deixar os contratos, entre empresas, sujeitos a interpretações subjetivas, sobre o que pode ou não ser considerada atividade-fim. Além de ser, ainda, um entrave à busca pela eficiência produtiva. Por exemplo, em uma fazenda de cana de açúcar, se a lei considera a colheita a atividade-fim, o funcionário da fazenda, que desempenha essa atividade, trabalhará, nela, apenas em uma época do ano, justamente, quando for tempo de colheita. Mas o que fará no resto do ano? De onde conseguirá rendimentos? Se a colheita puder ser terceirizada, esse profissional vai se especializar nessa atividade e trabalhará, durante todo o ano, e também receberá nesse período, porque, quando a colheita de cana acabar, ele deverá ser incumbido da colheita de milho e, depois, da de soja, por exemplo. A empresa, em que trabalha, será uma especialista em colheitas e poderá levar inovações, alcançadas na colheita da cana, para outras culturas. Enfim, é melhor para todos. Deterse na discussão sobre o tipo de atividade que pode ser terceirizada atrapalha nosso desenvolvimento econômico. Essa suposta proteção ao trabalhador, na verdade, vai prejudicá-lo. A terceirização traz, com certeza, mais eficiência e produtividade, rapidamente, e, se há algo que nossa economia precisa se tornar, de forma rápida, é produtiva e eficiente.
A terceirização acaba sendo um caminho natural na busca pela eficiência?
A gênese da ciência econômica [moderna] trata, de modo especial, da especialização [e, por conseguinte, da terceirização] como alternativa de produção mais eficiente. Se eu precisasse ter todas as atividades econômicas, ligadas ao meu negócio, dentro da minha empresa, eu teria mais dificuldade de fazer o que, de fato, proponho-me a fazer, porque não teria condições de especializar-me em uma só atividade, naquilo que faço melhor, no meu talento e minha maior motivação.