Por Wagner Hilário
Luis Arjona, atual presidente da Nielsen, no Brasil, conta-nos sua rica história
profissional, fala-nos do mercado de consumo brasileiro, das perspectivas para 2015 e
do que espera realizar à frente da empresa global de consultoria e pesquisa
Ao receber-nos em sua sala, na cidade de Cotia, em São Paulo, na sede da Nielsen, consultoria global que preside desde outubro do ano passado, uma das primeiras inciativas de Luis Arjona, ao encontrar nossa equipe, é propor-se a ajudar nosso fotógrafo a carregar seus equipamentos, em razão da quantidade de máquinas e acessórios que o profissional traz. Arjona é magro, elegante e risonho. Apesar de mexicano, nascido em Mérida, cidade a sudoeste do país norte-americano, mais precisamente na península de Yucatán, berço da civilização Maia, o executivo comunica-se, em português, com clareza e rapidez de raciocínio.
“Estou aqui há, praticamente, 18 anos. Considero-me mais brasileiro do que qualquer outra coisa. Talvez, até, mais do que mexicano. Na verdade, eu faço parte de um grupo, ainda pequeno, mas crescente, de pessoas que são cidadãs do mundo. É comum, sobretudo em multinacionais, aquelas pessoas que ficam à disposição da empresa para trabalhar onde ela precisar. São os executivos globais. Considero-me um executivo global.” Engenheiro de Sistemas Eletrônicos, formado pelo renomado Instituto Tecnológico de Estudos Superiores de Monterrey (ITEMS), cidade localizada em Nuevo Leon, no México, quase na divisa com o Texas, Arjona, antes de concluir os estudos superiores, jamais havia pensado em ser um executivo global.
Sua intenção, ao concluir a faculdade, era fazer doutorado numa universidade internacional, de ponta, em Engenharia Biomédica. Ele queria desenvolver dispositivos que permitissem ao homem mover, só com a força do pensamento, instrumentos biônicos e, assim, ajudar, por exemplo, pessoas paraplégicas a andar. “Na época, era algo embrionário, mas, hoje, já está bem desenvolvido.”
Porém, o caminho para se chegar a uma universidade internacional e de ponta não era fácil. O jovem Arjona precisava de uma bolsa de estudos do governo mexicano mas para consegui-la, antes, tinha de apresentar uma pré-admissão na universidade, o que levaria cerca de um ano. Nesse interim, não podia ficar parado e, por isso, começou a trabalhar. Foi, então, que seu rumo profissional ganhou direção completamente diversa da que imaginava. “Eu era um engenheiro, recém-formado, bem focado, ‘Nerd’, e recebi, em 1991, o convite de uma consultoria chamada Booz Allen Hamilton para trabalhar.
O universo que encontrei lá foi muito bacana, de pessoas dinâmicas, inteligentes e interessantes. Em meu segundo projeto, vi como Deus é grande e o destino, maravilhoso.” Uma rede de hospitais norte-americana queria entrar no México e contratou a Booz Allen para fazer estudos de viabilidade econômica, para saber em que cidade colocar um hospital. “Nessa ocasião, eu descobri que um médico, ou qualquer outro profissional da área de saúde,não é o responsável por definir onde deve ser colocado um hospital, nem por qualquer outro projeto na área de saúde. Os responsáveis por isso são o investidor, o diretor do hospital ou outro executivo ou empreendedor. O médico é a estrela, é quem vai salvar vidas, mas ele não fará seu trabalho se não houver alguém que estruture um projeto viável economicamente.”
Essa constatação, reveladora aos olhos de Arjona, tirou-o do caminho dos estudos técnicos e especializados em Engenharia Biomédica e o colocou na trilha dos executivos. “Quando a bolsa de estudos do governo chegou, depois da pré-admissão numa universidade de ponta, eu decidi que não faria mais doutorado em Engenharia Biomédica, mas, sim, um MBA [Master of Business Administration], pela Universidade de Stanford [na Califórnia, Estados Unidos].” Ele queria ser alguém responsável pelas decisões.
Arjona fez o MBA e, ao concluí-lo, foi admitido em outra consultoria, a McKinsey & Company. “Lá, em 1996, colocaram-me num projeto de uma cadeia de lojas de vestuário, dos EUA, que não estava indo bem, especificamente, em Los Angeles. Foi nessa ocasião que me encantei com o mercado de consumo e com toda a sua complexidade. Tivemos de fazer pesquisas qualitativas, quantitativas, enfim. Foi bem interessante e descobrimos quais eram os problemas e o que devia ser feito para resolvê-los.”
Em 1997, Arjona, ainda pela McKinsey, embarcou para o Brasil, para trabalhar no escritório brasileiro da consultoria. Podemos dizer que foi uma viagem, pelo menos até o momento, sem volta. “Na época, eu tinha duas opções: Londres ou São Paulo. Escolhi o Brasil, porque me parecia desafiador: uma grande economia da América Latina que me dava a possibilidade de aprender uma nova língua; inglês, eu já sabia falar.”
No ano seguinte, em 1998, Arjona fixou residência no Brasil. Há três anos, em 2013, ele recebeu passaporte brasileiro. É, justamente, por estar no País há 17 anos, que o executivo se considera mais brasileiro do que de qualquer outro lugar. “Falo português com sotaque, mas meu espanhol tem mais influência do português daqui do que o contrário, pelo menos é o que dizem no México.” Desde que se radicou no Brasil, o executivo viveu novas experiências profissionais. A última delas foi a chefia (cargo de country head) do escritório brasileiro do portal de vendas norte-americano eBay, função que exerceu até o segundo semestre do ano passado, quando foi convidado para assumir a presidência da Nielsen e,consequentemente, vir parar nas páginas desta Exclusiva.
Antes de a gente falar do seu novo desafio, que é presidir a Nielsen, e mesmo do mercado de consumo brasileiro, gostaríamos de saber quais foram os maiores desafios de sua trajetória profissional, até aqui?
Vou falar de dois desafios. O primeiro foi em 1994, quando fui para a América Central [El Salvador], e tinha como missão instalar um banco voltado ao varejo [grande público]. Banco de varejo é, de fato, varejo; seu trabalho se assemelha, muito, ao de uma loja de varejo de outro segmento, como têxtil, alimentício etc. O grande desafio foi levar esse serviço a um país muito pobre, onde grande parte da população ganhava, à época, menos de US$ 500 mensais. Não era fácil levar a eles esses serviços. Era um país em que a atividade bancária se resumia, grosso modo, a pegar o dinheiro da população, usado em poupança, para emprestá-lo a grandes empresas. Em termos de pessoa física, havia o dinheiro depositado e os caixas eletrônicos e as agências para que se pudesse movimentar o dinheiro. Só isso. Cartões de créditos eram incipientíssimos; de débito, quase não existiam; crédito ao consumo, inexistente.
Então, como criar a cultura do banco? Esse era o nosso desafio. Foi fascinante, porque consegui aplicar todos os conceitos de pesquisa, dirigidos ao mercado de consumo, nessa experiência; começando por perguntar ao consumidor o que ele queria, como queria, que tipo de serviço estava disposto a comprar e em que tipo de formato. Concluímos que o melhor, nesse caso, seria abrir agências, em centros comerciais, que funcionariam de forma muito parecida com as financeiras, existentes aqui, no Brasil. Os profissionais dessas agências se vestiam da maneira mais informal possível e, em vez de as agências oferecerem créditos imobiliários e outros tipos de serviços, como costuma acontecer aqui, ofereciam cartões. As pessoas se sentavam com os atendentes e, ao fim de todo o processo, saiam, pouco tempo depois, com um cartão de débito ou crédito ativado e nominal. Algo moderno, até para lugares em que a cultura dos serviços bancários é mais consagrada. Eu cito esse trabalho, porque ele significou uma mudança cultural no país, na empresa [banco], uma criação de modelo bancário que não existia e, quando o projeto terminou e o banco seguiu o trabalho sozinho, 40% dos profissionais do banco trabalhavam nessa subsidiária e nesse modelo de agência. Nos dois anos em que tocamos o projeto para o banco, saímos de zero para 67 agências.
E o outro grande desafio?
Liderar o eBay no Brasil. Assumi a chefia [country head] dessa operação brasileira, em 2013, e fiquei até meados do ano passado, quando vim para cá [Nielsen].
Comecei do zero. A princípio, o escritório era a minha casa. O objetivo era que uma empresa, com sede no Vale do Silício [Califórnia, EUA], viesse para cá e obtivesse êxito, que se adaptasse da melhor maneira possível a este mercado. O site do eBay, quando assumi a liderança do escritório brasileiro, dispunha de comunicação, apenas, em inglês e só aceitava pagamento por meio de cartão de crédito internacional. Isso nos limitava muito. Traduzimos o site da empresa para o português, criamos boletos bancários, passamos a aceitar cartões de débito e crédito nacionais e começamos a fazer as promoções de acordo com o calendário comercial brasileiro, que é diferente do resto do mundo, em muitos casos. Também lançamos aplicativo, em português, focado em vestuário e cuidados pessoais. Enfim, foi uma grande experiência.
E da experiência de presidir uma consultoria como a Nielsen, desafio que está enfrentando há menos de um ano, o que já pode nos dizer?
Para ter uma ideia do que significa para mim, no eBay, eu tinha por volta de 50 profi ssionais trabalhando comigo para o escritório brasileiro; na Nielsen, são 1,7 mil pessoas. Por aí, é possível ter uma boa ideia da minha responsabilidade. Estamos falando de famílias. Em segundo lugar, a Nielsen combina dois aspectos interessantes da minha carreira: o conhecimento que tenho do mercado de consumo — sinto-me bem à vontade ao falar desse assunto com você, aqui — e a necessidade de modernizar, de inaugurar uma nova maneira de fazer negócio com os produtos e serviços da empresa, o que eu pude fazer, mas noutra escala e com outro produto, na ocasião em que estive em El Salvador. Por modernização, deve-se entender proximar-se mais do cliente, dar-lhes respostas mais rápidas e agregar maior valor aos serviços e produtos que oferecemos. A Nielsen está muito orgulhosa das informações que sempre forneceu, mas é importante mostrarmos aos nossos clientes o que fazer com essas informações. Acho que dá para melhorar nesse sentido. Essa perspectiva me fascinou e é também por isso que estou aqui.
Você acha que as ferramentas, os produtos e serviços oferecidos pela Nielsen são subutilizados pelos seus clientes?
Sim. Vou lhe dar o exemplo do próprio Ranking [Abras/ SuperHiper]. O varejista vê a lista e constata: “Estou em 25º”. Nosso papel, muitas vezes, encerra-se aí, mas não pode, temos condições de ir muito além e responder outra pergunta que surge na cabeça do cliente: “O que tenho de fazer para ser o 20ª?”. As informações que nós temos indicam quais mercados crescem, quais não; quais formatos crescem, quais não. Aí, há uma primeira dica dos caminhos que se deve seguir para alcançar o 20ª lugar do Ranking. Vamos imaginar que o caminho seja os formatos menores, com unidades mais próximas do consumidor, ou as lojas de cash & carry. Esse é um ponto, mas há outros, como, por exemplo, sortimento, preço, etc. A Nielsen tem ferramenta para calcular tudo isso. Nós queremos entregar mais do que o cliente imagina que somos capazes de entregar. Queremos entabular um diálogo com os clientes para dizer: “Agora que você sabe qual é a sua posição no Ranking, aonde você quer chegar? Nós podemos ajudá-lo a alcançar essa aspiração, temos ferramentas e pessoas para isso”.
Além de explorar os produtos que a Nielsen já tem, o que, de novidade, a Nielsen prepara para o mercado?
Bom, fazer o que eu lhe disse já é um passo gigantesco. Mas, na área de inovação, posso citar alguns serviços e produtos, nos quais já trabalhamos de forma avançada. Um deles segue a linha do uso da neurociência em pesquisas de mercado e de hábitos de consumo, o que estamos chamando de Nielsen Neuro. Veja só que curioso; aqui, eu encontro a Engenharia Biomédica outra vez. É interessante perceber o avanço que a neurociência traz às pesquisas de mercado, porque, até então, havia apenas duas maneiras de fazer estes estudos: pela etnografia, em que se observa, como expectador, o comportamento do consumidor e, de outra maneira, perguntando a ele, diretamente, o que acha disso ou daquilo. Agora, temos, à disposição, ferramentas da neurociência. Usando aparelho similar ao do eletroencefalograma, os clientes observam gôndolas, comerciais de TV e, conforme a reação cerebral que têm, podemos identificar se estão satisfeitos ou não, onde seus olhos se fixam por mais tempo e muitas outras coisas. Ou seja, não precisamos perguntar nada a eles para obter as respostas. Sem contar que, no caso do método de perguntas e respostas, a pessoa pode não dizer exatamente o que está sentindo. O método neurocientífico permite que o cliente veja a gôndola e o comercial e, depois, vá embora para casa sem dizer nada. O aparelho registra que parte gerou emoção, atenção e memória. No caso específico de um comercial de TV, se não gera nem emoção, nem atenção e nem memória, terá passado inteiramente despercebido ao cliente. Mas, enfim, esse laboratório de neurociência é uma das novidades, foi lançado em outubro do ano passado. É uma grande inovação.
*Wagner Hilário é repórter da revista SuperHiper, publicação da ABRAS