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Victor Bicca, presidente do Cempre, fala sobre Acordo Setorial para logística reversa de embalagens 25/09/2014 às 12h

O Negociador


* Susana Ferraz


Victor Bicca, presidente do Cempre e diretor da Coca-Cola Brasil, fala sobre a
sua visão da Política Nacional de Resíduos Sólidos, da responsabilidade dos
supermercados, do papel dos catadores, e da importância do acordo setorial
para implantação da logística reversa de embalagens no País



Determinado, hábil em seus argumentos, e defensor do diálogo em prol de causa, Victor Bicca, presidente do Compromisso Empresarial para a Reciclagem (Cempre), é o grande coordenador para efetivação do acordo setorial que implementará a logística reversa de embalagens no Brasil. Agora, sua missão está prestes a ser cumprida, com a assinatura do acordo com o governo, prevista para breve, segundo a própria ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira.


Falar de logística reversa de embalagens, pre-vista pela Política Nacional de Resíduos Sólidos, Lei 12.305/2010, é falar de um mundo de produtos, de diferentes indústrias, e da maior gama de itens comercializados pelo varejo alimentar, especialmente por meio dos supermercados, portanto, um tema de enorme Importância para o setor e para o Brasil.


Ciente disso, Victor Bicca, com jogo de cintura, próprio de quem como ele joga tênis — seu esporte favorito —, conseguiu nada menos do que reunir, e manter unidas, 20 grandes entidades da indústria e do comércio. É claro que há os setores que discordam das premissas deste acordo, mas a maioria dos setores chamados pelo governo a participar seguiu a liderança do Cempre, e é por isso que esse grupo de entidades levou o nome de Coalizão Empresarial.


Acompanhe a entrevista desse advogado de 50 anos, casado, pai de dois filhos, gaúcho de nascimento, mas que hoje já tem jeito carioca, pois mora no Rio há anos, e que sempre trabalhou na área de relacionamento com o governo, a começar pela Caterpillar (fábrica de tratores), onde atuou por 15 anos e, depois, também na área de sustentabilidade, pela sua atual empresa, como diretor de assuntos governamentais da Coca-Cola, e pelo Cempre, entidade mantida por empresas privadas de vários setores.


Nos últimos três anos, Bicca trabalhou no grande projeto da Coca-Cola para fazer da Copa do Mundo da Fifa no Brasil um exemplo de sustentabilidade para o mundo. Tarefa executada com sucesso, já que foram capacitados mais de 840 catadores para esse trabalho, que resultou na coleta de 500 toneladas de resíduos nos 60 jogos da Copa. O mesmo sucesso almejado agora, só que em maior proporção, com a assinatura do acordo setorial de embalagens.



Victor, como negociador que sempre foi entre interesses de empresas e do governo, qual a sua principal característica?


Precisa muita paciência, determinação e persistência. Você tem que ter essas características. Saber ouvir é difícil porque às vezes você não quer ouvir, mas a grande virtude dessa área é você poder conjugar as atitudes pela ótica deles. Cada um defende o que acredita e você não é o dono da verdade, nem os outros o são, então você tem que ter essa virtude de entender e notar que a pior atitude é ir para o conflito, é querer brigar,  pois quem trabalha nessa área, como eu trabalho há muitos anos, não quer conflito, quer entendimento. Se o conflito existe, você tem de ter uma estratégia: você recua e negocia.




Com toda a sua experiência,  como presidente  do Cempre e na Coca Cola, qual a sua visão da Política Nacional  de Resíduos Sólidos  e da participação da indústria e do comércio?


O meu primeiro dia de trabalho na Coca-Cola foi, por coincidência, a participação em um workshop sobre resíduos sólidos e, daí em diante, eu passei a liderar um grupo na empresa sobre esse tema. Naquela época foi inaugurada a primeira comissão especial do Congresso para chegar à Nacional de Resíduos Sólidos. A questão de resíduos foi sempre muito difícil de se trabalhar. Houve tentativa de lei durante muitos anos, com diversos projetos, mas eu tive a sorte de ver  um projeto bonito como esse virar uma Política de Estado e ter sido escolhido para liderar  esse tema na Coca Cola. Mas eu sabia que não bastava uma empresa, tinha que haver uma liderança real nesse processo e aí avançamos na construção do Grupo Coalizão. Eu acredito na nossa proposta de acordo setorial e nesta lei, que é supermoderna. A PNRS instituiu princípios que não existiam até então, o que foi muito bom para o setor empresarial. Temos agora a responsabilidade compartilhada, antes responsabilidade era só do setor industrial, agora é de toda a cadeia até o consumidor.



Então a grande virtude do Grupo Coalizão é a união da indústria e do varejo?


Nenhum país conseguiu unir o setor industrial e o varejo, só o Brasil conseguiu esse tipo de acordo, o que é fundamental para fazer desse projeto um grande sucesso. Para fazer a PNRS ser aprovada precisávamos agregar todas as opiniões divergentes e ter uma lide- rança.  O Cempre — que reúne empresas e varejistas —  ajudou nessa tarefa. Nossa grande virtude, isso eu falo com orgulho, é a união. Por isso que procuro manter essa união da indústria e do comércio, que apesar de parecer frágil, ela tem a força de ter todas essas vitórias e, quando estiver assinado o acordo setorial para logística reversa de embalagens, e qualquer outra entidade vir esse bando de associações e empresas unidas, verão que vale a pena participar desse processo. Muitas das entidades e empresas da Coalizão são concorrentes e têm visões diferentes, mas elas se unem pelo mesmo fim e isso é muito forte. Essa é realmente a nossa força e a nossa virtude: a união de setores divergentes em torno de uma só visão, de um só objetivo.



Você acha que o Brasil  vai conseguir  chegar às metas definidas pela PNRS?


Nós somos um povo impaciente. A gente quer que a coisa  aconteça do dia para a noite. Há um histórico terrível na forma como a questão de resíduos sólidos foi tratada até agora e não é possível que em dois ou três anos toda essa realidade, que foi construída durante décadas, seja alterada. Tem de haver mudança de cultura, de infraestrutura, de visão das instituições, de hábitos das pessoas, enfim, temos uma infinidade de coisas para fazer. Não adianta achar que aprovou a lei e amanhã vai estar todo mundo jogando os resíduos no lugar certo. É um processo de mudança, mas vamos chegar aos resultados esperados.



A questão do fim dos lixões — marcada para agosto deste ano e que não ocorreu —  é um ícone desse processo, não é mesmo?


Sim, nós fazemos lá no Cempre a pesquisa Ciclosoft e estamos concluindo a deste ano. Infelizmente, o engaja- mento das prefeituras tem sido decepcionante. Hoje, 927 municípios   operam sistema de coleta seletiva, apenas 17% do total, levando-se em conta que os critérios que o Cempre usa para comprovar se aquela prefeitura tem coleta seletiva são muito mais rígidos que os do IBGE.



Você acha que é possível ampliar o número de municípios com coleta seletiva nos próximos anos?


Hoje, temos cerca de 150 municípios que são responsáveis por 50% dos resíduos coletados e reciclados, os outros mais de 5 mil municípios são responsáveis pelos outros 5%. O que não dá para aceitar é que um estado como São Paulo tenha menos de 10% de coleta seletiva implantada em todo o estado. É preciso avançar muito.



Mas a meta de acabar com os lixões continua... e a PNRS tem de ser cumprida, independentemente de governo,  não?


O desafio é grande. Mas essa lei pegou e veio para ficar. Nós estamos na enésima reunião do Grupo Coalizão e temos um engajamento do setor empresarial que nunca existiu antes, apesar de todo o desafio do setor com o custo da logística reversa. Os supermercados estão no grupo e a indústria também. O Plano Nacional de Resíduos  Sólidos foi feito para ser aplicado de 15 a 20 anos, então não podemos achar que vamos mudar todas as pessoas, ou implementar toda a infraestrutura necessária rapidamente. Vai demorar. O importante é nós  percebermos que está crescendo a adesão e que estamos indo na direção certa.



Em que outros  pontos ainda precisamos avançar para ampliar a destinação correta dos resíduos?


Nós temos muita coisa para fazer, como a desoneração da carga tributária da reciclagem. Hoje, você compra produto com material reciclado e paga mais caro do que o que é feito de material virgem, porque o custo da reciclagem é muito alto. É preciso conseguir escala e, para isso, é preciso do engajamento de todos. Outro ponto que precisamos avançar é na educação e conscientização do consumidor. Nesse ponto eu vejo uma enorme oportunidade de trabalho para os supermercados. Há diversos bons exemplos. O Pão de Açúcar, por exemplo, tem caixas verdes mostrando para o consumidor que ele já pode descartar a embalagem no ato da compra. E há diversas outras empresas, como o Walmart, fazendo um trabalho excelente. O Ministério do Meio Ambiente fez uma pesquisa um tempo atrás que mostra que 80% a 90% das pessoas sabem o que é certo fazer, mas somente 20% fazem o correto.  Por que não querem fazer? Porque não há infraestrutura ou porque não vêm efetividade na ação. Só 15% dos consumidores sabem e fazem o que é certo em termos de reciclagem. Ou seja, esse processo leva tempo e é preciso educar e conscientizar as pessoas.



Qual o segredo para  unir  diferentes indústrias de matérias-primas de embalagem (alumínio,  papel, plástico,  etc.) e de produtos  de consumo (alimentos, bebidas, higiene e limpeza  e outras) em um mesmo acordo setorial com o governo?


Para não privilegiar nenhuma embalagem — porque é mais fácil reciclar ou porque tem mais tecnologia —, nós optamos por tratar fração seca do lixo. Cada empresa/entidade vai responder pela fração seca, independentemente do tipo de embalagem que estiver lá. Assim não vamos privilegiar a embalagem de vidro, de alumínio ou qualquer outra.



Portanto, o acordo de embalagens preverá o destino correto, inclusive o reúso?


Sim, nós estamos falando do descarte final da embalagem esse descarte pode ser por reciclagem ou por reúso.
Pode até ser um resíduo orgânico. Hoje, os catadores de lixo não aceitam a incineração, mas se não tem um destino correto vai ter que incinerar. Mas hoje no Brasil ainda temos a opção da reciclagem, do reúso e só depois a incineração. O Ipea fez um estudo há três ou quatro anos que mostrou que se recolhesse - mos e reciclássemos só as embalagens de metal, vidro, papel e plástico poderíamos gerar R$ 8 bilhões, que movimentaria toda a economia da reciclagem. Hoje só estamos movimentando R$ 3 bilhões então está indo R$ 5 bilhões para o lixo, literalmente. Portanto, temos muito material que não está sendo reciclado e um processo imenso para avançar.



Além do incentivo à reciclarem, ainda há criação de valor com esse processo, pelo foco social da reciclagem,  como isso será feito?


Exatamente, eu acho que o Brasil conseguiu uma coisa legal também que é a inclusão social dessa ca- tegoria que fazia a coleta informal dos resíduos. Hoje, a prefeitura coleta tudo junto e joga lá no lixão ou no aterro, misturando o material que pode ser reciclado com o rejeito [aquilo que não pode ser reciclado] e lá vai o catador de uma maneira insalubre separar tudo ali e vende para um intermediário. Este vende para outro, e depois outro,  tudo sem imposto. Aí esse material chega para um grande intermediário, com galpão, que ainda vai vender para uma empresa recicladora — esta vai ser a primeira vez que vai ter uma nota fiscal formalizando a transação comercial. Daí o catador pensa: “eu coleto e reciclo 70% das embalagens e não ganho quase nada, tem alguma coisa errada”. O problema é que há uma cadeia informal muito grande e invisível. Nosso objetivo é formalizer essa cadeia.



Trata-se da profissionalização do catador?


Já é uma profissão. Não podemos imaginar a figura do catador como na novela, vendo ele no lixão. O catador tem um papel importante na cadeia produtiva. Hoje, por exemplo, no setor de bebidas há o desafio do Brasil de ter somente uma indústria que pega a garrafa PET e a transforma em uma resina reciclada, que retorna nova- mente como uma garrafa nova. No mundo todo isso já acontece. A Coca-Cola e a Ambev já têm alguns produtos com embalagens de material reciclado, mas temos que ampliar isso para que todas as embalagens PET tenham esses 20% a 30% de materiais reciclados. A embalagem que está na rua vai entrar na cadeia produtiva de novo, vai ser limpa e a primeira pessoa que vai coletar essas embalagens e colocá-las na cadeia produtiva é o catador, mas de uma maneira formal.



Então o grande desafio do Brasil é formalizar o trabalho do catador e dessa cadeia da reciclagem?


Sim, temos o desafio muito grande de formalizar esse comércio, pois hoje o Brasil é o campeão mundial de reciclagem, mas quando você olha na coleta é tudo informal. Nós temos de evoluir na educação do consumidor e na formalização e desoneração da cadeia de reciclagem. Com essa evolução nós teremos vários modelos de cooperativas de catadores, sempre com a inclusão, valorização e resgate desses trabalhadores. Hoje o Sebrae faz um trabalho muito bonito que é o do “empreendedor verde “, que pode ser individual ou coletivo . Eu acho que as organizações futuras de catadores vão evoluir com o nossa proposta de acordo setorial, com papéis e responsabilidades mais definidos.



Você acha que podemos chegar no Brasil à metaLixo Zero?


O que a lei brasileira propõe é que de um determinado produto vai sair um rejeito e um resíduo. O que é rejeito é o lixo mesmo, não terá como ser reaproveitado, e ele irá para o aterro sanitário. Mas o que é resíduo, como ocorre com as embalagens, tem uma serventia, então ele não é lixo e deve retornar como matéria-prima de alguma coisa que vai ser feita. Para mim, o Lixo Zero é possível, porque lixo zero é você ter um material que vai ter uma destinação correta,  ele vai ser reutilizado, vai ser reaproveitado, e não vai ficar  no meio da rua.



Qual é a sua sugestão para o supermercadista que ainda não se atentou à sua participação na aplicação da PNRS e da logística reversa de embalagens?


Eu acho que o empresário não pode fugir do mundo em que ele vive, da realidade atual, ele faz parte do mundo que precisa ser cada vez mais sustentável. As cidades não podem mais estar sujas como estão, com montanhas de lixo acumulado. Elas têm de ser responsáveis, quer queiram ou não, pois os supermercados são o lugar onde os produtos são vendidos. O médio e o pequeno empresário têm dificuldades de participar disso no primeiro momento, pois é caro. Mas eles têm de participar disso de alguma forma o quanto antes, por exemplo, apoiando a conscientização do consumidor, pois mais para frente eles poderão ser cobrados pelo cumprimento da lei.



Podemos esperar para ainda este ano a assinatura do Acordo Setorial para implementação da Logística Reversa de Embalagens?


Sim, o acordo vai sair, pois ele já foi aprovado pelo Cori [Comitê Orientador para Sistemas de Logística Reversa], composto por diversos ministros, o que foi um grande passo, pois existia uma dúvida de que o que estávamos propondo era viável. Nós conseguimos pro- var, por meio de estudo de viabilidade econômica, que a nossa proposta tem viabilidade de ser executada e ela foi aprovada. Agora há o processo de consulta pública, mas acredito que daqui dois meses todo o nosso grupo irá a Brasília para assinar este acordo setorial tão importante e será uma grande vitória de todos.




* Por Susana Ferraz, assessora de Comunicação da Abras e diretora da Sete Estrelas Comunicação. Jornalista que representou a entidade no Grupo Técnico Temático (GTT) para discussão dos Acordos Setoriais para Implementação da Logística Reversa de Embalagens, previstos pela PNRS, e no Grupo Coalizão de 2011 ao início deste ano.



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